O maior sábio da Grécia
não foi Sócrates, Platão ou Aristóteles. O maior sábio foi Tirésias. Ele não se
tornou sábio competindo para ser o “Dono da Verdade” ou querendo ter opinião acerca de tudo. Tirésias se tornou sábio a partir de algo que ele viu e viveu .
Assim aconteceu : atrás da casa de Tirésias passava
um rio. Do rio vinha a água que ele bebia e o alimento que pescava. Até que um
dia Tirésias se fez uma pergunta: “De onde vem esse rio? Onde fica seu
minadouro?”.
Tirésias resolveu
então ir contra a corrente no esforço
para achar a nascente. Somente indo
contra a corrente se pode achar nascentes, de rio ou de ideias . A fonte nunca
vive no “acostumado” , no “mesmal”.
Não demorou para
alcançar partes onde o rio, embora o
mesmo, já não lhe era conhecido : viu em suas margens flores que nunca tinha
visto, ouviu passarinhos dos quais não sabia o nome.
Enquanto prosseguia, não
via trilhas ou pegadas. Sentindo-se correndo riscos, Tirésias hesitou, quase abortando sua “linha de
fuga”. Até que ele olhou à frente e viu alguém a se banhar na fonte da qual o
rio nascia. Era Atena, a deusa da sabedoria. Ela estava nua...
A sabedoria precisa às vezes se banhar em fluxos para reinventar-se nova. Nas academias , a sabedoria se veste de teorias. Ela nunca se mostra nua nesses lugares. Quem a conhece apenas vestida pode
até se tornar um teórico , mas
nunca será um pensador-poeta que sabe chamar Atena pelo seu verdadeiro nome: Sofia.
Tirésias então percebeu
que ao se despir das teorias é como poesia que a sabedoria se mostra a
quem teve que se perder para achá-la.
A autêntica sabedoria é fonte que renova a si mesma para que em nós não seque a vida.
“A palavra abriu o roupão para mim:
ela quer que eu a seja.” (Manoel de
Barros )
“A filosofia deve ser ensinada junto com a poesia, para assim agirmos como o
médico cuidadoso que , visando melhor curar seu paciente, mistura o remédio amargo junto com o mel.”
(Lucrécio)
( Quando Espinosa morreu, religiosos fanáticos invadiram o lugar onde o filósofo
morava em busca dos muitos “livros perigosos” que, segundo eles, Espinosa teria
escrito com o “Diabo”. Eles queriam
tacar fogo nesses livros. Porém, no quarto modesto do filósofo, alugado na casa de uma família simples, os intolerantes
encontraram
poucos livros. Um deles estava aberto sobre a mesinha de estudos de Espinosa,
era o livro “Sobre a natureza das coisas”, do poeta-filósofo Lucrécio. Do livro
saiu uma luz potente, luz do conhecimento libertário, que pôs para correr os
obscurantistas ignorantes...)
- Acabou de ser lançada esta edição bilíngue . Na Apresentação do livro, intitulada “Ver com Lucrécio”, Brooke Holmes escreve: “[Lucrécio] ataca o cerne da política do medo que está por trás dos nacionalismos racializados e dos fascismos genocidas.” E no Prefácio (“Lucrécio, nosso contemporâneo”), Thomas Nail afirma: “voltamos a Lucrécio hoje (...) como se ele fosse um sopro de vida nova na vanguarda do século XXI.”
Quando Lucrécio nos ensina sobre os átomos, ele compreende essa realidade primeira de forma muito diferente do mero mecanicismo. Para Lucrécio, o que explica os átomos não é eles serem unidades mínimas da matéria, como se fossem indivíduos ou egos isolados. Para falar dos átomos, Lucrécio emprega as expressões "corpos generativos", isto é, corpos que têm a potência para gerar, e "sementes das coisas", pois os átomos não são pedras , eles são sementes. Na mitologia, a protetora das sementes, para que essas nunca sequem ou percam sua fertilidade, essa protetora é Vênus, uma das manifestações do Feminino Ancestral. Quando começa o poema, Lucrécio pede o auxílio a Vênus, para que essa, dando-lhe as mãos, o auxilie a percorrer os caminhos infinitos da Natureza, sem se perder, e para "na imensidão viajar em espírito e mente" ( verso 74 do poema). Assim, de mãos dadas com Vênus seguem Epicuro, Lucrécio, Espinosa... oferecendo a mão libertária deles também para nós.
Para Lucrécio, e esse é o primeiro
dos Princípios da Natureza, algo real não pode ter vindo do nada, pois do nada
nada vem. O nada não tem dimensão real, o nada é a projeção do medo que nasce
da mente que não compreende.
Assim, tudo o que é real vem de uma
semente, e a própria mente se torna uma semente, uma semente da qual germinam
ideias, quando compreende a natureza e a si mesma, pois não há como a mente
compreender a natureza sem compreender, ao
mesmo tempo ,a si mesma.
Além dessas sementes das coisas, Lucrécio
também nos fala do vazio e do clinâmen. Sementes-átomos, vazio e clinâmen: eis
os princípios dos quais tudo nasce.
O vazio não é a mesma coisa que o “nada”. O nada se opõe ao ser, ao passo que o vazio é co-presente ao ser , aos átomos-sementes. É no vazio que os átomos-sementes se movem.
Ao se moverem , os
átomos são capazes de pequenos “desvios”. Esses desvios são mudanças na direção
sem que nada da direção antiga possa explicar. Nesses desvios de trajetória, o átomo-semente
desabrocha nova direção , encontrando-se com outro átomo-semente que se movia
num trajeto diferente, de tal modo que esse desvio produz um corpo composto cujo
movimentos passam a ser comuns e coordenados. Todos os corpos compostos têm na
sua origem um desvio originário, e não um plano prévio ou cartilha .
Os átomos são como sementes, o vazio é o terreno no qual os átomos-sementes são lançadas, ao passo que o desvio-clinâmen é o germinar da semente da qual aflora toda vida complexa e múltipla que nossos olhos veem e nossa sensibilidade toca, ao ser também tocada pela Natureza-Vênus, ao mesmo tempo Natura Naturante e Natura Naturada.
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O livro de Lucrécio foi escrito em
versos, ao mesmo tempo filosofia e poesia. Na forma, o livro lembra a
"Odisseia", de Homero. Mas na odisseia filosófica de Lucrécio o personagem
não é Ulisses, e sim Epicuro, o filósofo atomista que ensinava em jardins.
Sempre me lembro de Epicuro quando ouço o verso de Caetano :"Os átomos
todos dançam🎵..."
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