Um dos meus versos preferidos de Manoel de Barros é aquele no qual ele diz:
“Poesia pode ser que seja fazer outro mundo”. O coração desse verso é a palavra
“fazer”. Não por acaso, o sentido original de poesia é “fazer” ( “poiésis”).
Infelizmente, nem sempre é ensinada
nas escolas e academias essa relação
umbilical e imanente entre “poesia” e “fazer”. Isso se deve a duas questões que estão interligadas: 1-
certa visão romantizada da poesia; 2- uma concepção estreita do “fazer”, identificando-o com o
mero utilitarismo “objetivista” e “mercadológico” que se diz “neutro
politicamente” , e que só crê ter valor
aquilo no qual se pode pôr um preço.
Porém, não há prática “neutra”, toda
prática é política: por isso, sempre são úteis aos piores poderes as práticas que se dizem “apolíticas”.
Desse utilitarismo rasteiro,
inclusive, nasce uma ideologia
tecnicista que, de mãos dadas com os negacionistas
da política, estão sempre ameaçando com suas cicutas a vida pensante que ainda
lhes resiste nas escolas e academias.
Mas poesia é prática não só de criar
versos, ela também é ação de produzir novos modos de vida. E todo modo de vida
pressupõe uma terra. Não há modo de vida concreto que se construa esperando por
outra vida no “Céu”, pois todo modo
de vida pede uma terra aqui e agora para ser ocupada , vivida e cultivada, para dela ser extraído não só o pão que alimenta o corpo, mas
igualmente o pão que alimenta o
espírito.
“Companheiro” vem de “com-panis”:
"aquele com quem dividimos o pão ( panis)". Tornam-se companheiros
aqueles que aprendem a dividir os "dois pães": o pão que vem do trigo
cultivado na terra e o pão que nasce do
afeto partilhado nas lutas coletivas por dignidade, arte e educação . Esse
último pão cresce e se multiplica quanto mais nele pomos o fermento da
consciência social crítica , ativa e solidária.
Como mostra o belo livro “Sem terra
com poesia”, a luta pela terra também se faz com poesia. Não há como fazer
outro mundo, outro mundo em todos os sentidos, mundos sociais e subjetivos, sem
compreendermos que a poesia autêntica é
sempre construção de mundos: mundos que sejam, antes de tudo, uma
terra plural sem cercas , uma terra horizontada.
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