Ontem à noite eu conversava com um
amigo que está muito triste, recluso em casa e dentro de si mesmo, assim
ficando por pensar nas “espurcícias do mundo”, conforme
diz o poeta Manoel de Barros.
Solidário a ele, tentei confortar o
amigo, embora eu mesmo às vezes também precise me confortar por ter os mesmos
pensamentos acerca do Brasil e dos
homens.
Hoje bem cedinho eu estava lendo o
poeta-filósofo Lucrécio. Parece até que ele havia ouvido minha conversa com meu
amigo e , solidário, nos oferecia uma resposta sob a forma de filosofia em
versos, como se fosse mão estendida. Lucrécio diz mais ou menos o seguinte:
“Não há aurora que se siga à noite, nem
noite que se siga à aurora, sem que escutemos, ao mesmo tempo, o choro da
criança que nasce para a novidade do mundo e o choro triste de alguém que parece desistir do mundo. Os dois choros, o da alegria
e o da tristeza, soam juntos . Se o choro da tristeza nos parece soar mais forte , é preciso partejar também em nós ouvidos que ouçam o choro das coisas
que nascem. Quem apenas tem ouvidos para
ouvir o choro da tristeza, torna-se surdo às coisas que nascem; mas naquele que
são partejados ouvidos para ouvir as
coisas que nascem, nascem igualmente palavras
e ações para lutar não contra os tristes, mas contra as causas da tristeza.”
Segundo Lucrécio, filosofar e poetar nada
são se não forem, antes de tudo, o partejar de ouvidos que ouçam o choro de
tudo o que nasce, e que , por ter
nascido, requer a perseverança constante de nossos cuidados.
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