terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Lucrécio e os dois choros

 

Ontem à noite eu conversava com um amigo que está muito triste, recluso em casa e dentro de si mesmo, assim ficando por   pensar nas “espurcícias do mundo”, conforme diz o poeta Manoel de Barros.

Solidário a ele, tentei confortar o amigo, embora eu mesmo às vezes também precise me confortar por ter os mesmos pensamentos acerca do Brasil e  dos homens.

Hoje bem cedinho eu estava lendo o poeta-filósofo Lucrécio. Parece até que ele havia ouvido minha conversa com meu amigo e , solidário, nos oferecia uma resposta sob a forma de filosofia em versos, como se fosse mão estendida. Lucrécio diz mais ou menos o seguinte:

“Não há aurora que se siga à noite, nem noite que se siga à aurora, sem que escutemos, ao mesmo tempo, o choro da criança que nasce para a novidade do mundo e o choro triste  de alguém  que  parece desistir do mundo. Os dois choros, o da alegria e o da tristeza, soam juntos . Se o choro da tristeza nos parece soar  mais forte , é preciso partejar também  em nós ouvidos que ouçam o choro das coisas que nascem.  Quem apenas tem ouvidos para ouvir o choro da tristeza, torna-se surdo às coisas que nascem; mas naquele que são partejados  ouvidos para ouvir as coisas que nascem, nascem igualmente  palavras e ações para lutar não contra os tristes, mas contra as causas da tristeza.”

Segundo Lucrécio, filosofar e poetar nada são se não forem, antes de tudo, o partejar de ouvidos que ouçam o choro de tudo o que nasce,  e que , por ter nascido, requer a perseverança constante de nossos cuidados.











"Quando as lágrimas são de tristeza,
elas caem como chuva de uma tempestade;
quando as lágrimas são de alegria,
elas revivificam como as gotas  matinais dos orvalhos."
(Lucrécio).

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