Eu tinha cerca de 6 anos. Na noite do
natal, meus pais me levaram ao meu quarto para me mostrarem o que papai noel deixou sobre minha cama: uma bola.
Mas eu mal dava atenção ao presente, eu queria mesmo era ver o papai noel!
Meus pais então me diziam: “ele já
saiu pela janela!”. Eles me levavam correndo ao quintal e apontavam para o alto:
“Olha o papai noel lá, subindo ao céu em seu trenó, está vendo?”. Mas eu só via
as estrelas...
Com a alma acesa, eu não parava de
fazer perguntas aos meus pais : “O papai noel mora numa estrela? Por que ele se
esconde? Ele tem medo da gente? Ele sempre teve barba branca ou um dia já foi criança?”.
Porém
meus pais acabavam indo embora para cuidarem da ceia, deixando sem
resposta meus interrogares
poético-metafísicos. Após um bom tempo olhando o infinito , eu me lembrava do presente e voltava correndo para brincar até tarde. Eu terminava indo dormir abraçado à bola...
No ano seguinte mudamos para nova residência. Na noite do nosso primeiro
natal no apartamento novo, fiquei de soslaio espreitando a janela. “Ainda não é meia-noite, papai noel ainda não veio”, dizia meu pai.
Houve um momento em que vi meu pai e
minha mãe trocarem olhares. Eles não repararam que notei aquela comunicação estranha, parecia
que estavam combinando algo. Meu pai saiu de fininho, enquanto minha mãe
tentava me distrair e aos meus
irmãos com o panetone.
Mas eu só fingia olhar para o
panetone, eu queria é surpreender o papai noel entrando sorrateiro pela janela.
Se meus queridos pais não tinham respostas para minhas indagações metafísicas,
seria então ao próprio papai noel que eu interpelaria com minhas perguntas.
Eu nem fazia questão da bola nova, já
ficaria contente em ter de presente as respostas às questões
poético-filosóficas.
Então, de rabo de olho , vi meu pai
entrando no nosso quarto na ponta dos pés, sem notar que eu o via. Ele nem
acendeu a luz para entrar, achei estranho...Porém em suas mãos estava o motivo
daquele seu esgueirar-se feito sombra: meu pai carregava pacotes de presentes
...
Foi instantânea a minha compreensão
do que estava acontecendo. Não fiquei decepcionado com a situação, tampouco
desiludido .Eu ainda não sabia ler direito as palavras escritas nos livros,
porém começava a ler o mundo .
Quando meu pai retornou à sala
dizendo que viu o papai noel saindo pela janela, fiquei pensativo e nada disse
. Senti ali uma solidão diferente : um estar só sem ficar triste.
Enquanto meus irmãos corriam para o
quarto, fui à janela para receber outro tipo de presente: olhei para o imenso
céu e me horizontei, com uma intensa e viva alegria que só compreendi muitos
anos depois ao ler Espinosa.
Hoje sei que o interrogar não vinha
de mim, vinha do próprio infinito oferecendo-se como presente , para nunca
deixar morrer aquela criança questionadora dentro da gente.
( "Noite estrelada sobre o Ródano", de Van Gogh. O verso é de um soneto de John Keats)
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