sábado, 11 de dezembro de 2021

as iluminuras de Manoel & Miró

 

1.Certa vez, perguntaram ao poeta Manoel de Barros qual foi  sua grande influência. Todos imaginavam que ele mencionaria um poeta, porém ele disse  que aprendeu a fazer poesia com dois pintores: Klee e Miró.

O poeta aprendeu a fazer “imagens” com os pintores : imagens construídas com palavras, cuja cores e paisagens são diretamente pintadas na tela da alma.

 Manoel chama essas imagens de “iluminuras”: um misto de luz com uma realidade ainda escura, tal como a aurora que tem atrás de si a noite ainda, a noite da qual uma nova manhã se distinguiu , brilhando.

Essa “realidade escura” que participa da criação poética não é como a treva da ignorância e do obscurantismo, ela é como  o escuro no interior do casulo ou do útero, onde cresce o embrião de uma vida nova.

Assim, as iluminuras poéticas são imagens que se lê partejando, como realidade a nascer no poema e em nós, desabrindo-nos.

2. Miró desenhava de maneira  precisa e técnica, porém essa técnica virou uma prisão que impedia o nascimento de um mundo novo  que Miró desejava  criar. Esse mundo novo não cabia na  forma “acostumada” que se tornou  Miró e seu  pintar . Já crescia virtualmente no pintor a alma nova, porém faltava um corpo para ela: ao invés de nascer, a alma nova corria o risco de abortar.

Miró desistiu da arte, mas a arte não desistiu de Miró. Quando tudo parecia perdido, certa vez  Miró começou a rascunhar com lápis de cor usando   a mão esquerda, mão que ele nunca usava . Era um rascunhar “brincativo” que alcançava realidades ainda não formadas, ignoradas pela mão direita.

A mão esquerda nada sabia de cânones ou fórmulas de sucesso, como sabia a mão direita. Nunca a mão esquerda ficou vaidosa por receber elogios; tampouco segurou, ostentando, prêmios e títulos, como se habituou a segurar a mão direita  .

Se a mão direita adquirisse a capacidade de falar e alguém lhe perguntasse qual a opinião dela sobre a mão esquerda,  ouviria: “ A mão esquerda é perigosa:  quer tirar o poder que conservo, ela é  subversiva!”.

As duas mãos tinham a mesma idade biológica, mas era a mão esquerda o corpo novo que a alma nova exigia . Ao começar a desenhar com a mão esquerda, cada desenho era o desenhar de novo nascendo , fazendo-se como novidade, experiência e descoberta.

O poder estabelecido escreve suas cartilhas com a mão direita ; porém a arte de se reinventar só a pode desenhar um instrumento não domado: a mão esquerda . A mão direita se liga a uma metade do cérebro apenas , já a mão esquerda se liga à outra metade do cérebro e ainda ao coração inteiro que, assim como ela, também está do lado esquerdo.


Miró / "O jardim"


 


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O céu despencou...

Suas estrelas caíram no chão ,

apagadas e ocas.

A terra  não pôde lhes servir de plantação,

estava seca.

 

Porém, Sofia  pegou uma estrela murcha e quase morta

e a pintou com a  tintura azul que coloria também seus cabelos.

Soprando dentro da estrela com o ar que tirava de si mesma,

da estrela azul surgiu um balão.

E um  fio de Ariadne libertava  a estrela,

conduzida por Sofia e sua mão.


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Homenagem ao poeta do samba Monarco ( falecido ontem). No vídeo, Monarco canta os poemas de Alvaiade ("O mundo passa por mim todos os dias, enquanto eu passo pelo mundo uma vez. A noite é o dia que dorme, e o dia é a noite ao despertar.") e Manacéa:



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