1.Certa vez, perguntaram ao poeta
Manoel de Barros qual foi sua grande
influência. Todos imaginavam que ele mencionaria um poeta, porém ele disse que aprendeu a fazer poesia com dois pintores:
Klee e Miró.
O poeta aprendeu a fazer “imagens” com
os pintores : imagens construídas com palavras, cuja cores e paisagens são
diretamente pintadas na tela da alma.
Manoel chama essas imagens de “iluminuras”: um
misto de luz com uma realidade ainda escura, tal como a aurora que tem atrás de
si a noite ainda, a noite da qual uma nova manhã se distinguiu , brilhando.
Essa “realidade escura” que participa
da criação poética não é como a treva da ignorância e do obscurantismo, ela é
como o escuro no interior do casulo ou
do útero, onde cresce o embrião de uma vida nova.
Assim, as iluminuras poéticas são
imagens que se lê partejando, como realidade a nascer no poema e em nós,
desabrindo-nos.
2. Miró desenhava de maneira precisa e técnica, porém essa técnica virou
uma prisão que impedia o nascimento de um mundo novo que Miró desejava criar. Esse mundo novo não cabia na forma “acostumada” que se tornou Miró e seu
pintar . Já crescia virtualmente no pintor a alma nova, porém faltava um
corpo para ela: ao invés de nascer, a alma nova corria o risco de abortar.
Miró desistiu da arte, mas a arte não
desistiu de Miró. Quando tudo parecia perdido, certa vez Miró começou a rascunhar com lápis de cor
usando a mão esquerda, mão que ele
nunca usava . Era um rascunhar “brincativo” que alcançava realidades ainda não
formadas, ignoradas pela mão direita.
A mão esquerda nada sabia de cânones
ou fórmulas de sucesso, como sabia a mão direita. Nunca a mão esquerda ficou
vaidosa por receber elogios; tampouco segurou, ostentando, prêmios e títulos,
como se habituou a segurar a mão direita
.
Se a mão direita adquirisse a
capacidade de falar e alguém lhe perguntasse qual a opinião dela sobre a mão
esquerda, ouviria: “ A mão esquerda é
perigosa: quer tirar o poder que
conservo, ela é subversiva!”.
As duas mãos tinham a mesma idade
biológica, mas era a mão esquerda o corpo novo que a alma nova exigia . Ao
começar a desenhar com a mão esquerda, cada desenho era o desenhar de novo
nascendo , fazendo-se como novidade, experiência e descoberta.
O poder estabelecido escreve suas
cartilhas com a mão direita ; porém a arte de se reinventar só a pode desenhar
um instrumento não domado: a mão esquerda . A mão direita se liga a uma metade
do cérebro apenas , já a mão esquerda se liga à outra metade do cérebro e ainda
ao coração inteiro que, assim como ela, também está do lado esquerdo.
O céu despencou...
Suas estrelas caíram no chão ,
apagadas e ocas.
A terra não pôde lhes
servir de plantação,
estava seca.
Porém, Sofia pegou
uma estrela murcha e quase morta
e a pintou com a
tintura azul que coloria também seus cabelos.
Soprando dentro da estrela com o ar que tirava de si mesma,
da estrela azul surgiu um balão.
E um fio de Ariadne libertava
a estrela,
conduzida por Sofia e sua mão.
_____
Homenagem ao poeta do samba Monarco ( falecido ontem). No vídeo, Monarco canta os poemas de Alvaiade ("O mundo passa por mim todos os dias, enquanto eu passo pelo mundo uma vez. A noite é o dia que dorme, e o dia é a noite ao despertar.") e Manacéa:
Nenhum comentário:
Postar um comentário