Rousseau é um dos maiores pensadores da democracia. Uma de suas
principais lições, mais atual do que nunca, diz mais ou menos o seguinte: o que
garante o espírito democrático de uma sociedade, e distingue os cidadãos livres
dos tiranos, é o princípio da maioria.
Mas há dois sentidos para maioria :
um sentido derivado ( ou segundo) e um
sentido originário e primeiro (do qual o
sentido derivado depende).
No sentido derivado ou segundo , a
maioria é uma noção quantitativa expressa pelo “maior número”.
Numa eleição, os vencedores são os
que obtêm maior número de votos, enquanto a minoria é definida pela quantidade
menor de votos obtidos. Se os derrotados forem não democráticos, podem querer se vingar ressentidamente
, não aceitando o resultado e fazendo ameaças ( como fez o Aécio Neves em
2014), pondo em risco toda a sociedade.
Já na acepção originária ou primeira,
“maioria” tem um sentido qualitativo enquanto princípio ou regra constitutiva
da vida democrática, e antecede a prática quantitativa e numérica eleitoral do
voto.
Essa acepção primeira de maioria pode ser assim enunciada: “Todos devem estar
de acordo que ganhará as eleições , e governará , o partido ou coligação
que obtiver o maior número de votos, a
partir da decisão livre e soberana do povo.” Aqui, a expressão “todos” indica uma maioria qualitativa.
No sentido derivado ou segundo , a
maioria representa um grupo com uma
ideologia que derrotou, no número de votos, outro grupo político oponente com ideologia e cor de bandeira diferente .
Contudo, no sentido originário de
maioria, não há oponente ao princípio, a não ser os tiranos. Somente os tiranos
discordam desse princípio ameaçando que não aceitarão o resultado do que decidir a
maioria numérica - caso eles, os tiranos, se saiam derrotados eleitoralmente .
O tirano não tem a qualidade
democrática para conviver com a democracia: do ponto de vista dessa qualidade ,
a mentalidade do tirano é sempre “pequena”, mesmo quando eleito por um maior
número.
Mas a mera soma numérica de mentalidades pequenas forma apenas
um rebanho ( ou “a facção mais numerosa”, no dizer de Oscar Wilde), nunca alcançando
a qualidade pensante pressuposta pela mentalidade democrática ampla.
Um tirano pode até se sair “vitorioso”
e obter maioria quantitativa numa eleição, porém jamais ele fará parte daquela
maioria heterogênea dos que se põem de acordo , livremente, com o princípio
originário da democracia.
No sentido quantitativo de maioria, os oponentes devem medir forças segundo as ideias que professam, e o voto
decidirá quem ganha e quem perde. Porém, quando se trata do sentido originário-qualitativo
de maioria , os inimigos do princípio democrático são os negacionistas
da vida plural e heterogênea.
Não foram os gregos, e sim os povos originários da América Latina, nossos
indígenas, que inspiraram Rousseau a pensar e defender o princípio constitutivo
de toda sociedade democrática.
( Este excelente livro, “Nós”, é apenas uma sugestão de leitura)
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