quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

a democracia originária

 

 

Rousseau é um dos maiores  pensadores da democracia. Uma de suas principais lições, mais atual do que nunca, diz mais ou menos o seguinte: o que garante o espírito democrático de uma sociedade, e distingue os cidadãos livres dos tiranos, é o princípio da maioria.

Mas há dois sentidos para maioria : um sentido derivado ( ou segundo)  e um sentido originário e primeiro  (do qual o sentido derivado depende).

No sentido derivado ou segundo , a maioria é uma noção quantitativa expressa pelo “maior número”.

Numa eleição, os vencedores são os que obtêm maior número de votos, enquanto a minoria é definida pela quantidade menor de votos obtidos. Se os derrotados forem  não democráticos, podem querer se vingar ressentidamente , não aceitando o resultado e fazendo ameaças ( como fez o Aécio Neves em 2014), pondo em risco toda a sociedade.

Já na acepção originária ou primeira, “maioria” tem um sentido qualitativo enquanto princípio ou regra constitutiva da vida democrática, e antecede a prática quantitativa e numérica eleitoral do voto.

Essa acepção primeira  de maioria  pode ser assim enunciada: “Todos devem estar de acordo que ganhará as eleições , e governará , o partido ou coligação que  obtiver o maior número de votos, a partir da decisão livre e soberana do povo.” Aqui, a  expressão “todos” indica uma maioria qualitativa.

No sentido derivado ou segundo , a maioria  representa um grupo com uma ideologia que derrotou, no número de votos, outro grupo político oponente  com ideologia e cor de bandeira diferente  .

Contudo, no sentido originário de maioria, não há oponente ao princípio, a não ser os tiranos. Somente os tiranos discordam desse princípio ameaçando que  não aceitarão o resultado do que decidir a maioria numérica - caso eles, os tiranos,  se saiam derrotados eleitoralmente .

O tirano não tem a qualidade democrática para conviver com a democracia: do ponto de vista dessa qualidade , a mentalidade do tirano é sempre “pequena”, mesmo quando eleito por um maior número.

Mas a mera  soma numérica de mentalidades pequenas forma apenas um rebanho ( ou “a facção mais numerosa”, no dizer de Oscar Wilde), nunca alcançando a qualidade pensante pressuposta pela mentalidade democrática ampla.

Um tirano pode até se sair “vitorioso” e obter maioria quantitativa numa eleição, porém jamais ele fará parte daquela maioria heterogênea dos que se põem de acordo , livremente, com o princípio originário da democracia.

No sentido quantitativo  de maioria, os oponentes devem medir  forças segundo as ideias que professam, e o voto decidirá quem ganha e quem perde. Porém, quando se trata do sentido originário-qualitativo  de maioria , os inimigos  do princípio democrático são os negacionistas da vida plural e  heterogênea.

Não foram os gregos, e sim  os povos originários da América Latina, nossos indígenas, que inspiraram Rousseau a pensar e defender o princípio constitutivo de toda sociedade democrática.

 

( Este excelente livro, “Nós”,  é apenas uma sugestão de leitura)





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