quarta-feira, 15 de julho de 2020

um pouco de possível...


Os gregos tinham alguns nomes para a alma. O mais famoso desses nomes é Psiquê. Mas a alma às vezes também era chamada por outro   nome : Pneuma ( “Spiritus”, em latim) . Pneuma é “sopro”  ou  “brisa úmida”. Não qualquer sopro ou brisa, mas a brisa úmida que vem do mar e vivifica o deserto.  Pneuma é sopro da vida , diziam os  gregos. Quando o recém-nascido sai do ventre da mãe, ele sai como se estivesse em sono profundo,  a vida nele ainda dorme. Não por acaso, os gregos diziam que Hipnos, o deus do sono, é irmão gêmeo de Thânatos, o deus da morte. Essa semelhança  entre o sono e a morte fica visível na criança que sai do ventre: ela não está morta, porém ainda não está viva, ainda não respira. Até que o parteiro dá pequenas batidas no corpo da criança para ela despertar pela primeira vez. Antes de abrir os olhos, a criança se faz abertura para sorver o ar. Pois ela  não respira  esse  ar inaugural apenas com o nariz, ela o respira  também com a boca, de tal modo que esse ar é seu primeiro alimento, antes mesmo do leite materno. Esse primeiro ar não vai apenas encher os pulmões, ele também acorda as células, as fibras, os nervos e o coração; acorda também o cérebro e os neurônios para o seu primeiro pensar desperto. Esse ar também  imanta o sangue e o faz  circular. Quando a criança abre pela primeira vez os olhos, o Pneuma  se torna igualmente olhar sobre o mundo, o mundo do qual proveio enquanto parte da respiração da própria Gaia, a Terra.  Pneuma é o ar que se aspira ou inspira, o ar que se puxa para dentro para despertar e manter viva a vida . Enquanto Psiquê é a alma sozinha, Pneuma é a alma enquanto sopro que forma com o corpo um único e singular ser vivo. “Meditar” tem a mesma raiz de “medicar”, e talvez seja por isso que as técnicas de cura meditativa consistem em fazer a gente prestar atenção não exatamente na respiração  mas no Pneuma, para despertarmos como desperta , respirando, um recém-nascido . O Pneuma  também pode ser respirado de livros, músicas, artes , enfim, de ideias libertárias. Pois se as ideias  não contiverem  Pneuma,  tornam-se apenas abstração ressequida. E creio ser esse o sentido do que disse Foucault: “Um pouco de possível senão sufoco”, um pouco de Pneuma para não sucumbirmos a esse deserto que  nos cerca.  

“Queria transformar o vento.
Dar ao vento uma forma concreta e apta a foto.” (Manoel de Barros)



















Nenhum comentário: