sábado, 11 de julho de 2020

deleuze & guattari : os intercessores


Costuma-se dizer que o pensar é solitário.  É por isso que é  tão surpreendente quando nos deparamos com um pensar agenciado, tal como produziram Deleuze & Guattari . Deleuze tem um estilo próprio muito singular, porém não menos singular é o estilo de Guattari. Deleuze & Guattari explicaram  certa vez como escrevem juntos: como dois rios que se juntam para formarem uma mesma corrente.
 Platão dizia que o filósofo é o “amigo da sabedoria”. Contudo, uma rivalidade pode instalar-se quando um filósofo  se julga mais amigo da sabedoria do que  outro filósofo , tal como aconteceu com o próprio Platão e seu antigo discípulo Aristóteles, que rompeu com Platão se dizendo mais amigo da sabedoria do que seu antigo mestre. Talvez por isso Deleuze & Guattari expliquem que são amigos um do outro, porém não escreveram juntos apenas  por serem amigos, e muito menos para pretenderem ser ainda mais “amigos da sabedoria” juntos do que seriam sozinhos. Para produzir um pensar agenciado, é preciso que do amigo nasça um “intercessor”. Um intercessor é aquele que “intercede a nosso favor”. Interceder é colocar-se “entre”, para assim fazer-se porta, abertura, fenda. O intercessor “nos desabre”, diria Manoel de Barros, tornando-se porta entre nós e o cosmos, entre nós e as ideias, enfim, entre nós e nós mesmos.
O senso comum diz que é  preciso, primeiro, que cada um seja amigo de si mesmo, pois somente sendo amigos de nós mesmos nos tornamos aptos para autêntica amizade com os outros. Mas nunca ninguém pode ser o intercessor de si mesmo, pois um intercessor é sempre um outro : uma diferença. Um intercessor nunca é quem intercede a favor de si mesmo, mas sempre a favor de um outro que o tem como intercessor. É o intercessor que  nos auxilia a sermos mais do que amigos de nós mesmos: ele nos ensina um “devir-outro”,  para desegoizarmos a nós mesmos . Amizades às vezes são desfeitas. Porém nunca é desfeita a abertura que  nos abriu um intercessor, como  desterritorialização para criarmos um território novo. A não ser que nós mesmos , por resignação ou medo, recuemos e fechemos  a porta que o intercessor abriu . Uma desterritorialização abandonada no meio , diz Deleuze, assemelha-se a um triste aborto.
Deleuze foi o intercessor de Guattari, ao mesmo tempo que Guattari foi o intercessor de Deleuze. Cada um deles foi, para o outro, a produção de um devir-outro. A obra que criaram é um potente intercessor-desabridor a favor de pensares diferentes , intensos, outros.
O rio amazonas não nasceu rio amazonas: ele nasceu do agenciamento de seus afluentes. O rio amazonas é o devir-outro de seus afluentes. Mas o rio amazonas também é um intercessor: ele abre aos afluentes uma porta para o oceano.

“Os Outros: o melhor de mim sou Eles.”( Manoel  de Barros)









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