quinta-feira, 16 de julho de 2020

horizontamentos...


Certa vez uma pessoa me perguntou de  qual verso do poeta Manoel de Barros eu mais gosto. Respondi indagando se eu poderia citar quatro. Sorrindo, a pessoa disse: “pode”.
O primeiro  verso é este que coloquei como apresentação aqui da página : “Sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito.” Apenas apontar as pedras em nada ensina, em nada  potencializa , em nada serve ao avançar.  Quem apenas aponta as pedras, e encontra nelas  justificativas para parar, chorar, lamentar... também  empedra-se. E as pedras mais difíceis de ultrapassar são aquelas que colocamos para nós mesmos. A liberdade inaprisionável  sempre caça um jeito de correr e suplantar  pedras. E prefere secar tentando do que deixar as pedras fazerem nela uma represa de mágoas.
O segundo  verso é: “A palavra abriu o roupão para mim: ela quer que eu a seja.” A palavra só abre o roupão a quem demonstra cuidado e amor por ela, mesmo quando a  emprega como instrumento de indignação e crítica contra os  que violentam  não apenas as palavras.  Mas a palavra só abre o roupão para quem, por intermédio dela, não dirá ou escreverá somente palavra. A palavra também só abre seu roupão para quem  igualmente se desnuda de todo conhecimento pronto, de toda opinião acostumada e da pretensão de ser o dono exclusivo da verdade.
O terceiro verso é: “Poesia é o que horizonta.” Poesia não é construção de muros ou cercas, poesia é sentido que horizonta. Poesia não é só poema, poesia também é política, educação, filosofia, enfim, existência que se pensa e que se cria,  agenciada . Horizontar-se é conectar-se para construir rizomas. Os rizomas são plantas cujas raízes crescem horizontalmente, sem hierarquias ou centros . Os rizomas se movem verticalmente apenas  quando encontram um muro pela frente: como se fossem pernas, suas raízes escalam o muro , descem do outro lado e seguem adiante.
O quarto verso é: “Na ponta do meu lápis tem apenas nascimento.”  O poeta disse isso quando já estava com quase 80 anos !  Seu lápis é ferramenta lúdica e libertária contra a “velhez”.  “Velhez” não é uma idade, “velhez” não é uma vida perto do fim , velhez é uma vida que , antes de nela morrer o que é velho, morreu o que é criança.

“Não cabe temer ou esperar, mas buscar novas armas”. (Deleuze)




Nenhum comentário: