sábado, 4 de julho de 2020

sobre o "novo normal"


Quando estava para completar 80 anos, o poeta Manoel de Barros explicou  que uma coisa é a velhice e o acumular dos anos , outra bem diferente é a “velhez”. A velhez não é uma idade, a velhez é quando o acumular dos dias e anos  se torna um peso insuportável, não importando a idade que se tenha :  80, 50, 40 ou 20 anos. A “velhez” é um peso que nos curva as costas   para cabermos na “fôrma” que o poder quer nos fazer caber, mesmo que  nos violentando . Essa fôrma  faz nascer dentro uma “mente acostumada”. A mente acostumada se torna refém do “mesmal”, passando a imaginar que o “mesmal” é a vida normal. O que caracteriza o mesmal é a ação de um “poder normalizador” que age por fora, como  poder homogeneizante  , e por dentro,  na produção de um “espírito de rebanho”. Enfim, o mesmal  é a normalização da anormalidade absurda e intolerável que apequena a vida todos os dias. O problema  não é o “novo normal pós-pandemia”, a questão é que não podemos aceitar como “normal” a “banalização do mal” que vem acontecendo muito antes da pandemia, desde que a milícia tomou conta de Brasília.
Segundo Deleuze, tudo o que é  criativo e  potente  está sempre “longe do equilíbrio”. Isso vale para tudo o que tem vida, incluindo poemas e filosofias.  Toda  criação  coloca o criativo longe do equilíbrio, embora de pé e ainda mais vivo. Tudo o que experimenta a liberdade , ou por ela luta,  se coloca longe dos mesmais  equilíbrios. Mas o que explica o ato criativo  não é o estar longe do equilíbrio, e sim o estar perto do perigo. Este é o preço de se ser criativo: viver  perto do perigo, o que lhe deixa longe do equilíbrio ( “equilíbrio” que às vezes nada mais é do que adaptação resignada à realidade dada, sem agir para mudá-la) . Quem assim está longe do equilíbrio   se assemelha a um equilibrista que atravessa um abismo: o fio sobre o qual avança é a sua linha de fuga. A linha não começa de um ponto ou ego, ela nasce de um novelo do qual o fio é puxado. Uma ponta do fio que nos salva do abismo se desenrola do novelo do pensar ativo, ao passo que a outra ponta avança  se desterritorializando rumo ao horizonte aberto ,    lançada ao futuro com o máximo de força libertária que pudermos colocar em nossas palavras, ações e gestos.

"Desfazer o normal há de ser uma norma" (Manoel de Barros)

"O Chapeleiro:
- Estou com medo, Alice. Não gosto daqui!
  Minha cabeça está cheia...        
  Será que sou louco?
Alice:
- Receio que sim...
  Você é louquinho.
 Mas vou lhe contar um segredo:
 As melhores pessoas são."

( foto: muro com obra de  Banksy/ citação acima: trecho de “Alice no país das maravilhas”, de Lewis Carroll)



(Sobre a imagem de Banksy: um homem a serviço da "normalidade excludente do sistema" chicoteia crianças, pobres, mulheres , minorias, um idoso...e até um cachorrinho vira-lata sem o "pedigree" dos "pet's" da elite. Como chicote, o capitalista emprega a seta que simboliza a exigência de metas e produtividades de lucros financistas. O chicote-seta que violenta os excluídos da "normalidade" do sistema também lembra o rabo do Diabo...)





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