O escritor Maurice Blanchot faz uma
comparação para questionar os que defendem a “neutralidade” como atitude
“justa” para se posicionar diante dos perigos que ameaçam a sociedade e a vida.
Tal “neutralidade apolítica” se parece com a atitude de quem quer conhecer um
quarto colocando-se fora dele, atrás da
porta, olhando para dentro pelo buraco da fechadura. O “neutro” imagina
descrever assim apenas os fatos e tão somente os fatos que vê: sem “paixões” e
envolvimentos , apenas a “razão pura”. Esta é a contradição existencial de tal
visão: querer colocar-se fora da vida para melhor ver a vida. Blanchot chama esse olhar de “o olhar da morte” , pois
é de uma espécie de morte que se trata :
a morte de perspectiva. Um olhar assim é até capaz de descrever e analisar, porém é incapaz
de achar uma saída. Pois toda saída começa a ser construída , primeiro, do
lugar onde se está. A vida nunca é neutra : ela sempre toma partido a favor
daqueles que a querem mais viva e por ela se arriscam, mesmo correndo o risco
de perdê-la. O oposto desse olhar que vê a vida apenas pela fechadura, ou por uma tela de
tevê ou celular , o oposto disso é fazer-se vivamente presente, mas sem perder
de vista a janela . Se não houver janela, quebrar a parede para inventar uma ,
fazendo-se abertura por onde entrem luz e novo ar, para não sufocar .
A imagem que ilustra a postagem é “O
geógrafo”, de Vermeer. Dizem que é o próprio Espinosa esse geógrafo de compasso
aberto na mão e a olhar para fora dos
limites do quarto, parecendo buscar horizontes. Envolve Espinosa uma veste azul
com uma barra em vermelho cobrindo-lhe o peito. O azul é a cor do céu, é a cor
que “celesta”, dizia Manoel de Barros; já o vermelho é cor da vida intensa. A
composição dessas duas cores faz nascer o violeta, considerada a cor que veste por
dentro os sábios, pois “violeta é a cor do pensar libertário”, ensinava Cláudio Ulpiano. Vermeer retratou Espinosa como um “geógrafo do
pensamento”. “Geo” significa “terra”. Não a terra que donos cercam para manterem
seus gados , mas a terra que se abre em
todas as direções como espaço horizontado.
Além da luz do mundo que entra
transversalmente pela janela, também chama a atenção no quadro a luminosidade
que emana do mapa aberto onde o cartógrafo desenhou suas ideias, como se no
papel o pensador também abrisse uma janela : para fazer do conhecimento uma potente luz contra as
trevas.
“Poesia é horizontamento.” (Manoel de Barros)
“Nas mãos a ferramenta de operário,
e na cabeça a coruscante ideia.”
(versos do poema “Spinoza”, de Machado de Assis)
“Em Espinosa, tudo é luz.” (Deleuze)
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