quarta-feira, 1 de julho de 2020

manoel: natências


“Perder o nada é um empobrecimento” (Manoel de Barros)


Há dois sentidos para a palavra “nada”. O primeiro deles vem de “nihil.” Essa palavra é a origem de niilismo. Além de “nihil” significar “nada”, nihil também significa “nulo”. No Direito, por exemplo , usa-se a expressão latina “nihil” para designar atos que são juridicamente nulos. Assim, niilismo não é um culto ao “Nada” ou ao “Nirvana”, niilismo é um comportamento que é nulo, sem autenticidade. Por exemplo, o bozo vive evocando a ideia de “Verdade”, porém essa ideia de “Verdade” na boca dele é nula , pois anula a própria ideia autêntica de verdade. A “Verdade” dele não é uma mentira, é uma “nulidade”: enquanto a mentira se explica no âmbito da linguagem, a nulidade é mais grave, uma vez que ela expressa uma estreiteza existencial. Muitos espertalhões evocam a palavra “Deus” como cabo eleitoral deles. Embora falem em Deus para combater o “ateísmo comunista”, esse Deus deles, porém, anula a própria ideia do que se espera que seja Deus: esses espertalhões anulam a ideia de Deus muito mais do que a negação feita pelos ateus. O anarquismo nega a necessidade de partidos, mas não nega a política; já o PSL e os partidos do “centrão” são nulos de ideias políticas. Uma coisa é negar uma realidade, outra bem diferente é tornar nula uma realidade pela inautenticidade com a qual ela é vivida.
Mas há outro sentido para a palavra “nada”, originado do latim “nata” ( raiz de “natal”: “lugar onde se nasce”). Esse sentido talvez explique porque Manoel afirma que sua poesia vem de suas “natências” ou “nadifúndios”, enquanto riqueza de vida para nos proteger das pobrezas existenciais niilistas. O saber que apreende esses “nadifúndios” chama-se : ignorãça. Ignorãça não é ignorar o nome das coisas, ignorãça é saber de coisas que ainda não têm nome : “As coisas que ainda não têm nome são mais ditas pelas crianças”, diz o poeta. Uma caneta de ouro nas mãos de um niilista ,mesmo que ele tenha poder e dinheiro, escreve só pobreza. Já o simples lápis do poeta retira do nada de suas natências a sua riqueza: “Na ponta do meu lápis tem apenas nascimento.” O poeta põe nascimento em seu lápis para que a gente, ao lê-lo, de vida se enriqueça.





Em o “O ser e o nada”, o sentido de “Nada” em Sartre não é o mesmo que na acepção religiosa, tampouco tem a ver com o sentido de nihil enquanto nulidade. Para Sartre, nossa existência tem o sentido que criarmos para ela, pois nela mesma nossa existência é “nada”, isto é, pura liberdade. É por isso que Sartre ( e Simone de Beauvoir ) é um “existencialista” , não um “niilista” (no sentido aqui colocado). O “nada” manoelino e o “ nada” sartreano, porém, não são a mesma coisa : meu nada, diz o poeta, não é o “Néant [Nada] de Sartre.”




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