Quando eu era criança, bem criança, no
natal meus pais costumavam me dar carrinhos de presente. Eu recebia tais
brinquedos e os guardava, agradecido. Porém eu gostava mesmo era de brincar com as
próprias coisas, retirando delas os sentidos acostumados . Por exemplo, gostava
de pegar o chinelo de meu pai e fazer de carrinho: eu segurava o chinelo com as mãos e o fazia correr pelo chão,
inventando também para ele uma estrada, um caminho. Como realidade lúdica,
brincativamente inventada, o carrinho
estava mais em meus olhos do que no
chinelo. Nunca me fizeram falta os
brinquedos, enquanto eu soube brincar com o sentido.
Brincar com o carrinho de plástico
era bom, porém brincar com o chinelo
subvertido carrinho era mais do
que brincar: era ato poético-político, ainda que inocente, para subverter o sentido do que está dado.
Depois de crescido, (re)descobri em
Manoel de Barros essa mesma arte-peraltagem transformada em exercício poético : para assim manter
vivo um devir-criança como antídoto contra o olhar resignado.
“O olho vê, a lembrança revê, e a
imaginação transvê. É preciso transver o mundo” (Manoel de Barros)
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