terça-feira, 24 de dezembro de 2019

o transver...


Quando eu era criança, bem criança, no natal meus pais costumavam me dar carrinhos de presente. Eu recebia tais brinquedos e os guardava, agradecido. Porém  eu gostava mesmo era de brincar com as próprias coisas, retirando delas os sentidos acostumados . Por exemplo, gostava de pegar o chinelo de meu pai e fazer de carrinho: eu segurava o chinelo  com as mãos e o fazia correr pelo chão, inventando também para ele uma estrada, um caminho. Como realidade lúdica, brincativamente inventada,  o carrinho estava mais  em meus olhos do que no chinelo.  Nunca me fizeram falta os brinquedos, enquanto eu soube brincar com o sentido.
Brincar com o carrinho de plástico era bom, porém brincar com o chinelo  subvertido  carrinho era mais do que brincar: era ato poético-político, ainda que inocente,  para subverter o sentido do que está dado. Depois de crescido,  (re)descobri em Manoel de Barros essa mesma arte-peraltagem transformada em  exercício poético : para assim   manter vivo um devir-criança como antídoto contra o  olhar resignado.

“O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo” (Manoel de Barros)



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