Chega de
teorias, de promessas de ser. Não escreverei mais, não mais falarei; vou fazer,
construir, inventar. Não quero mais contemplar, nem figurar mundos possíveis.
Quero apenas uma matéria, uma vida para modelar: serei o barro, o metal, a
matéria...Mas também serei o artista, o artesão, as ferramentas, as cores e a
singular perspectiva.Vou esculpir a mim mesmo, serei minha obra a inventar.
Não a farei
segundo cânones ou técnicas, tampouco de acordo com regras desta ou daquela escola. Simplesmente
me farei, me inventarei, me esculpirei. Será a mão quem me fará. Retirarei dela
anéis, alianças, unhas...A quero nua, criança.
Ela então
começa...Esculpe meu detalhe, meu contorno e espaços, de dentro e de fora.
Esculpe meu peito que respira, esculpe meus desejos que nascem agora. Ela
esculpe meu coração e o que nele sente. Ela vai esculpindo, sem projeto, sem a
priori, sem expectativas. Ela apenas esculpe, cria, inventa, faz. Eu não antes
era, tampouco serei. Sou todo agora, e este agora é processo, fazer-se.
Falta pouco,
quase nada. A mão já esculpiu o braço , o antebraço, o punho...Falta agora
somente mais uma coisa para ela me concluir: falta minha mão esculpir minha
mão. Falta ela esculpir a si própria. Resta o produtor coincidir com o produto,
resta o artista ser a própria obra.
A mão então se
contorce, tenta alcançar seu ser, que no entanto escapa. Não adianta virar do
avesso, pois criar uma vida nova não é virar uma vida antiga pelo avesso.
Então, a mão
para, estanca, treme, parece ter chegado a um limite.É nesse momento que o
pensamento vem tomar-lhe o lugar . Ele que ali , no entanto, sempre estivera.
Pois o pensamento é a mão da mão, ele é
o fazer que pensa. Assim, sabendo-me
rascunho, obra se fazendo, anexata, liberto-me de toda vontade de ser obra acabada.
Quero escrever movimento puro.
(Clarice Lispector)
É verdade que, no caminho que leva ao que cabe pensar,
tudo parte da sensibilidade.
(Gilles Deleuze)
( Escher)
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