domingo, 20 de outubro de 2024

crer e criar

 

“Criar” e “inventar” são atos diferentes. “Inventar”  aplica-se  a coisas. Celular ,  automóvel,  relógio... existem porque foram inventados. Já o “criar” refere-se a atos cujos produtos são uma forma de  arte. 

“Criar” tem origem na antiga palavra “creare”. De “creare” também se origina  “crer” . No passado, “creare” significava tanto crer como criar. É por isso que somente cria quem crê, e quem crê sempre cria, mesmo diante das maiores impossibilidades.

Porém, não se trata de um “crer” religioso, mas sim de um processo semelhante à crença transmutadora do pintor que crê nas tintas, ou   do  músico que crê  na música, ou do  poeta que crê na poesia , ou  do professor que crê na educação.

Não só um poema é criado , uma filosofia também o é.  Criar uma filosofia é crer no pensar questionador, criar um poema é crer no sentir transformador. Só cria novas possibilidades para a vida que crê na sua potencialidade; quem não crê , resigna-se às  impossibilidades.

Quando Nietzsche afirma: “Só podemos destruir sendo criadores”, ele quer dizer  que não basta sermos críticos/destruidores  em relação a algo, pois é preciso , antes, sermos criativos para propor algo diferente disto que criticamos. E este algo diferente devemos nos esforçar para torná-lo real , primeiro, em nós mesmos, em nossas palavras e ações, mas sem presunção ou arrogância, com modéstia.

É em razão dessa diferença entre criar e inventar que também dizemos  : “criei um filho”, e não “inventei um filho”; ou “criei um laço de amizade”, e não “inventei um laço de amizade”; ou “criei um jardim” ,e não “inventei um jardim”. Pois tais realidades que criamos também são formas de arte nas quais acreditamos , nada tendo a ver com coisa mecânica ou “algoritmizável”.

A inventividade produz apenas coisas; e as coisas , por não possuírem vida, podem virar instrumento de morte a serviço de uma mentalidade mórbida ( como os celulares nas mãos dos f4scist4s...)

Porém a criatividade autêntica produz ideias emancipadoras e afetos ativos :  ideias e afetos, como ensina Espinosa, são a vida e a saúde do pensamento. 

Em todo totalitarismo , não importando se político , comportamental ou acadêmico, são sempre os criativos os que sofrerão as maiores consequências. E são sempre deles, e neles, que nascem e perseveram as resistências.


                     ( Imagem: “O núcleo da criação”/ Frida Kahlo)





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