terça-feira, 15 de outubro de 2024

Ao dia das professoras e professores

 

Tempos atrás, numa bela manhã de outubro, vi passar um senhor bem idoso, porém firme e altivo.  Vê-lo fez reviver dentro de mim uma palavra que há muito  eu não  dizia. Foi a “potência-alegria” de que fala Espinosa o que senti ao saber   que tal palavra  ainda em mim  vivia , à espera  de reencontrar aquele a quem ela designa e nomeia.

 Essa palavra não estava escrita no meu cérebro onde se acumulam teorias, ela  estava guardada em meu coração ,lugar do Afeto,  junto à lembrança dos seres que conheci e que me tornaram o que sou. Inteligências podem ser artificiais, mas nunca o Afeto que singulariza e potencializa.

Foi então do coração que a palavra veio subindo, já com pleno sentido, embora ainda sem se vestir com o som. Quando ela chegou à minha boca, tornou-se voz e chamou: “Mestre!!!”.  Aquele senhor era um querido  professor que tive há muito tempo. Por coincidência , o reencontro se deu próximo  ao Dia dos Professores...

Ele me reconheceu , sorriu e estendeu a mão para  mim, encontrando  a minha que já lhe estava estendida  desde a primeira aula dele que assisti .  Não sei ao certo quanto tempo conversamos, o durar do afeto não o mede relógios.

Quando nos despedimos, fiquei parado vendo-o ir, e pensei: “Será que ele sabe o quanto foi importante em minha vida?”

Antes de ele ir, olhei  seu rosto e tive a impressão de que ele também estava a   recordar-se do mestre que teve e que o inspirou a ser professor, e por isso ele entendia minha gratidão. E esse outro mestre do mestre, se vivo estiver, também deve estar se lembrando, hoje,  daquele que o fez professor: “O aprender vem antes do ensinar”, lembra-nos Deleuze.

 O autêntico professor gosta de ensinar porque, antes, amou aprender com aquele que lhe ensinou  lições que não  estão apenas  em livros, mas também nas ações.

 Creio  que nos tornamos professores quando o mestre que nos fez mestre não vive  apenas fora, ele passa a viver  dentro da gente, e com ele continuamos a aprender , mesmo  enquanto ensinamos.

Por isso, hoje também é dia de cada professor se lembrar daquele do qual foi educando no aprendizado do mundo e de si mesmo.

Assim,  apenas  sob certa perspectiva aquele meu antigo mestre se afastava de mim,  sob outra perspectiva ele nunca de mim saiu  desde que , com suas aulas, em minha vida entrou , passando a viver na companhia de  outros estimados mestres que igualmente entraram  em mim e me tornaram o que sou : a querida  Professora Nadyr ( minha primeira professora de filosofia e quem me libertou), o  inesquecível Cláudio Ulpiano, o generoso Luiz Alfredo Garcia-Roza , o grande Gerd Bornheim e o sábio   Junito Brandão .

Como ensina o mestre-poeta Manoel de Barros: “O melhor de mim sou Eles”.

 

Um fraterno abraço às professoras e professores pelo seu dia!

 

 

(Imagem: o professor Deleuze em sala de aula)



 

Há uma querela etimológica acerca do termo “aluno”. Muitos traduziam o termo “aluno” como “sem luz”, “privado de luz”. Porém, a pesquisa etimológica do termo indica que “aluno” seria : “o que está sendo alimentado”. Mas alimentado do quê? E aqui talvez esteja  a causa dessa confusão. Durante muito tempo, identificou-se o conhecimento à luz. Antigamente, em colégios ortodoxos  , porém essa prática é mantida até hoje em alguns colégios mais conservadores, nas cerimônias de formatura os alunos entravam com uma vela apagada. Depois, um professor mais antigo, geralmente o “decano”, adentrava  com uma vela acesa e passava sua chama às velas apagadas dos alunos, “alimentando-os” com luz. Nessa visão mais conservadora-ortodoxa, a luz do conhecimento viria apenas do professor, estando os alunos privados dela. Por essa e outras razões, prefiro os termos educador e educando. “Educador”: “aquele que guia”, no sentido de orientar ou dar uma direção ( como uma bússola); “educando”: “aquele que é guiado ou orientado”, porém sobre as próprias pernas e trilhando seu próprio caminho. O educador não anda à frente do educando, ele anda ao lado. E ambos se fazem companhia. “Companhia” vem de “com-pane”: “partilhar o pão”. No caso, o pão do conhecimento.




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