Tempos atrás,
numa bela manhã de outubro, vi passar um senhor bem idoso, porém firme e
altivo. Vê-lo fez reviver dentro de mim uma palavra que há muito eu
não dizia. Foi a “potência-alegria” de que fala Espinosa o que senti ao
saber que tal palavra ainda em mim vivia , à espera
de reencontrar aquele a quem ela designa e nomeia.
Essa palavra não estava escrita no meu cérebro
onde se acumulam teorias, ela estava guardada em meu coração ,lugar do
Afeto, junto à lembrança dos seres que conheci e que me tornaram o que
sou. Inteligências podem ser artificiais, mas nunca o Afeto que singulariza e
potencializa.
Foi então do
coração que a palavra veio subindo, já com pleno sentido, embora ainda sem se
vestir com o som. Quando ela chegou à minha boca, tornou-se voz e chamou:
“Mestre!!!”. Aquele senhor era um querido professor que tive há
muito tempo. Por coincidência , o reencontro se deu próximo ao Dia dos Professores...
Ele me
reconheceu , sorriu e estendeu a mão para mim, encontrando a minha
que já lhe estava estendida desde a primeira aula dele que assisti .
Não sei ao certo quanto tempo conversamos, o durar do afeto não o mede
relógios.
Quando nos
despedimos, fiquei parado vendo-o ir, e pensei: “Será que ele sabe o quanto foi
importante em minha vida?”
Antes de ele ir,
olhei seu rosto e tive a impressão de que ele também estava
a recordar-se do mestre que teve e que o inspirou a ser
professor, e por isso ele entendia minha gratidão. E esse outro mestre do
mestre, se vivo estiver, também deve estar se lembrando,
hoje, daquele que o fez professor: “O aprender vem antes do
ensinar”, lembra-nos Deleuze.
O autêntico professor gosta de ensinar porque,
antes, amou aprender com aquele que lhe ensinou lições que
não estão apenas em livros, mas também nas ações.
Por isso, hoje
também é dia de cada professor se lembrar daquele do qual foi educando no
aprendizado do mundo e de si mesmo.
Assim,
apenas sob certa perspectiva aquele meu antigo mestre se afastava de mim,
sob outra perspectiva ele nunca de mim saiu desde que , com suas
aulas, em minha vida entrou , passando a viver na companhia de outros estimados
mestres que igualmente entraram em mim e me tornaram o que sou : a querida
Professora Nadyr ( minha primeira professora de filosofia e quem me
libertou), o inesquecível Cláudio Ulpiano, o generoso Luiz Alfredo
Garcia-Roza , o grande Gerd Bornheim e o sábio Junito Brandão .
Como ensina o
mestre-poeta Manoel de Barros: “O melhor de mim sou Eles”.
Um fraterno abraço
às professoras e professores pelo seu dia!
(Imagem: o
professor Deleuze em sala de aula)
Há uma querela
etimológica acerca do termo “aluno”. Muitos traduziam o termo “aluno” como “sem
luz”, “privado de luz”. Porém, a pesquisa etimológica do termo indica que “aluno”
seria : “o que está sendo alimentado”. Mas alimentado do quê? E aqui talvez esteja
a causa dessa confusão. Durante muito
tempo, identificou-se o conhecimento à luz. Antigamente, em colégios ortodoxos
, porém essa prática é mantida até hoje
em alguns colégios mais conservadores, nas cerimônias de formatura os alunos
entravam com uma vela apagada. Depois, um professor mais antigo, geralmente o “decano”,
adentrava com uma vela acesa e passava
sua chama às velas apagadas dos alunos, “alimentando-os” com luz. Nessa visão
mais conservadora-ortodoxa, a luz do conhecimento viria apenas do professor,
estando os alunos privados dela. Por essa e outras razões, prefiro os termos educador
e educando. “Educador”: “aquele que guia”, no sentido de orientar ou dar uma
direção ( como uma bússola); “educando”: “aquele que é guiado ou orientado”,
porém sobre as próprias pernas e trilhando seu próprio caminho. O educador não
anda à frente do educando, ele anda ao lado. E ambos se fazem companhia. “Companhia”
vem de “com-pane”: “partilhar o pão”. No caso, o pão do conhecimento.
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