“Um pouco de
possível, para não sufocarmos...”, dizia Foucault. Essa frase não expressa
desespero, mas um desejo de criar meios para achar oxigênio não apenas
para nossos pulmões, mas sobretudo para nossa sensibilidade e mente.
Não por acaso,
em grego esse “ar do possível” , oxigênio da vida, se chama “Pneuma”. Em latim,
“Spiritus” ( enquanto sopro vital que une mente e corpo, como ensina Espinosa).
Creio que um
sopro assim pode ser encontrado também na poesia de Manoel de
Barros. Neste Dia das Crianças, lembrei de uma passagem de sua obra na qual se
pode respirar um oxigênio alimentador de nossas ideias e práticas.
Quando fez 80
anos, Manoel de Barros recebeu pedido de um editor para que
escrevesse três memórias: da infância, da vida adulta e, sobretudo, da velhice.
Com sua avançada idade, o editor supunha que o poeta teria muito a
dizer sobre si .
Passado algum
tempo, o poeta enviou ao editor o primeiro livro: “Memórias da primeira
infância”. Em todos os sentidos, o livro foi um sucesso.
Tempos
depois, Manoel enviou novo livro ao editor: “Memórias da segunda infância”.
Como diz Manoel, poesia é saber que “não vem
em tomos” . Assim, a segunda infância não era uma sequência da primeira , não
era uma infância posterior . A segunda infância era uma segunda ida
do poeta à infância sempre primeira.
Manoel reservava
ainda fôlego para uma nova ida à infância, e assim enviou ao editor um terceiro
livro: “Memórias da terceira infância”. Um livro regenerador...
O tempo passou,
o poeta nada mais enviou ao editor, que tomou coragem e indagou: “Poeta, suas
três memórias da infância são extraordinárias, porém onde estão as memórias da
vida adulta e, principalmente, da velhice?”
Manoel respondeu
: “Só tive infância”. E completou: “Nunca tive velhez. Só narro meus
nascimentos”.
Essa infância,
enquanto antídoto à “velhez”, não é uma determinada idade. Pois ela também é a
infância da linguagem, o seu fazer-se novidade para dizer o que ainda não foi
dito: “As crianças sabem dizer palavras que ainda não têm idioma”.
No poema
“Invenção”, Manoel diz: “Criei um menino para me ser, ele nasceu da ponta do
meu lápis”. Assim que nasceu, o menino disse ao poeta: “Você me criou para eu
te inventar poeta”. Esse menino, diz Manoel, “é a criança que me escreve”. Não
é, portanto, a criança que ele foi, mas um devir-criança necessário para
enfrentarmos a “velhez”.
“Velhez” nada
tem a ver com “velhice”. Chico, Bethânia, Gil, Paulinho da Viola , Tom Zé , o
próprio Manoel são exemplos de que velhice nada tem a ver
com velhez. A velhez é o antipossível que sufoca.
A
velhez também é a estupidez das guerras arquitetadas por
velhacos , cujas primeiras vítimas são sempre as crianças de
ambos os lados do front .
Arte,
criatividade, educação....são potências críticas , criativas e cuidadoras que , apesar das
atmosferas sufocantes , não nos deixa
faltar o ar.
Este curta narra a história de uma criança pobre de
periferia que encontra um potentíssimo sopro de possível, apesar da velhez
entorno:
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