sexta-feira, 28 de abril de 2023

ética: o arco, a flecha e o alvo

 

A palavra “virtude” vem de “virtu”: “força”. Não a força meramente física dependente dos músculos, pois a força física pode ser vil e bruta, porém nunca é vil-bruta uma virtude.  Pois a virtude é a força que forma o caráter.

As virtudes pertencem  à ética. Infelizmente, muitos confundem ética com moral,  moralizando assim   as virtudes. Porém ética não é o mesmo que moral.

Nietzsche , por exemplo, condena a moral-conservadora , mas há nele uma ética como arte da existência ; não há em Espinosa uma única linha moral, porém toda a obra dele é a defesa de uma ética: a ética da Potência; Bakunin denunciava a hipocrisia da moral liberal-burguesa, e agia movido por uma ética revolucionária.

Originalmente, “virtu” designava a força que nasce da fibra  tensa do arco que lança longe as flechas. Para que o tensionar das cordas-fibras  não fosse em vão ou desperdício de força, era preciso ter um alvo  antes de tensionar as fibras do arco.

Virtu é a força potencial capaz de  produzir uma ação e alcançar um alvo. A virtude é uma força potencial da alma . Coragem, justiça, amizade...são virtudes : são potências éticas cujo alvo a alcançar é a vida digna.

A virtude é a potência que nasce do tensionamento da alma , tensionamento esse expresso igualmente  nas fibras do corpo.

In-tenso: o que vive no interior de uma tensão. Ser intenso não é ser agitado, ser intenso não é meramente pôr em ação os músculos, e sim tensionar as fibras da nossa alma quando ela pensa e sente, para que a ação do nosso corpo  seja sempre flecha que alcança um alvo, sem precisar se impor à força.

Para os estoicos, não apenas a coragem, a justiça e a amizade são virtudes, também é uma virtude a humanidade. Pois  humanidade não é  a quantidade numérica dos seres humanos que habitam a terra, humanidade é uma virtude ética.

Assim como existem os homens destituídos de coragem (os covardes), também existem aqueles destituídos de humanidade. A virtude da humanidade é fundante: quem não a possui ou cultiva também não tem coragem, justiça, amizade. Pois a humanidade é a virtude-útero  da qual   todas as outras virtudes nascem.

 

Não é em meras palavras ou teoria que as virtudes são postas em prática, elas são postas em prática na ação concreta, e também é por aquilo que alguém faz que podemos perceber a ausência delas: a flecha dos sem humanidade e sem caráter  sempre erra o alvo e retorna apontada para eles, denunciando-os.

Assim como o berimbau  somente produz música com suas cordas tensionadas , inspirando o capoeirista à luta, o coração também  só consegue impulsionar o sangue vital porque suas fibras são tensas; há fibras igualmente  no cérebro, de tal maneira que pensamentos potentes são sempre como flechas que nunca erram o alvo.

É por isso que se  diz que nada se alcança se não houver fibra: o caráter ético-potente não tem músculos ou ossos, porém ele é todo fibra.




Coloquei a capa do livro de Espinosa apenas como referência da postagem. A imagem da capa é a do sinete com o qual Espinosa assinava suas cartas: a letra B é de  Benedictus, e S é de Spinoza, embora Espinosa também assinasse Bento de Espinosa, a forma afetiva ligada à sua origem portuguesa (  a assinatura   que  prefiro).  “Caute” significa “cuidado”: não no sentido de medo que impede a ação, e sim do cuidado/proteção que precisamos ter ao agirmos.






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