Em sua carta 121[1],
Sêneca faz uma distinção entre conhecer uma determinada realidade e ser
uma realidade. Todo conhecimento teórico se faz mediante conceitos. Os conceitos
mediam a relação do pensamento com a realidade. Mas ser uma realidade é , como
ensina Bergson, colocar-se imediatamente
nela, ou melhor , intuir-se como sendo ela.
Alguém pode ler um livro de ética e
conhecer teoricamente os conceitos de
virtudes como justiça e coragem, ainda
que seja um injusto e covarde em suas práticas. Ou seja, alguém pode conhecer o
conceito de algo sem ser ou possuir esse algo.
Mas ser justo e corajoso sabe-se por
intuição. A intuição é um contato direto, sem mediação, com a realidade que se
conhece , sendo. E quem é corajoso não se intui apenas corajoso, também se
intui como parte de algo maior que o faz ser corajoso. Intuir-se como algo nada
tem a ver com imaginar ser esse algo. Quem apenas imagina, não é; mas quem é ,
pensa-se e, pensando, age.
A intuição apreende a singularidade
de uma determinada realidade e , ao mesmo tempo, a conecta a outra realidade
ainda maior da qual a primeira é uma expressão singular. E essa mesma intuição apreende igualmente uma realidade ainda maior da qual essa realidade
segunda também é uma expressão, e não
uma mediação.
Enquanto a mediação é um colocar-se “entre”
, a expressão é trazer para fora ou desdobrar o que está implicado em uma
existência, e que a faz ser o que ela é.
A intuição apreende a parte e o todo, mesmo
que desse todo não possa haver conhecimento conceitual ou mediação. Não há
mediação que nos conecte com o todo, uma vez que intuir o todo requer despir-se
de toda mediação. O todo não está apenas fora, ele também é imanente a cada
singularidade que o expressa/desdobra.
Não se deve imaginar o todo como algo
fechado, como um círculo. Uma floresta, por exemplo , é o todo-vivo que cada
árvore singular sua expressa. O rio é o todo cujas partes são as margens,
margens que podem avançar quando as chuvas alimentam o rio de céu. O rio não
está contido pelas margens: as margens são apenas o limiar que expressam até
aonde o rio pode ir, expandindo-se.
Uma criança ainda não possui o conceito
do que é existir, porém ela possui a intuição de existir. E é essa intuição que
a leva a formular perguntas sobre o seu
existir , bem como o existir de todas as
outras coisas. Primeiro é preciso despertar a intuição, potencializá-la, pois
somente assim o conhecimento que nascerá dela não será apenas algo abstrato e
apartado da vida, um conhecimento que apenas se decora e não se vive.
Não se conhece a vida por mediações
que nos separam dela, conhece-se a vida intuindo-a, ou seja, sendo-a, vivendo-a.
Quem não tem a intuição de uma realidade às vezes substitui essa realidade por
uma mediação abstrata que apenas a
representa , porém quando se parte da intuição pode-se depois construir meios
de se aproximar dela: não apenas por palavras, mas também por sons e tintas , como fazem o músico e o pintor .
Essas aproximações expressivas devem
ser como o mapa que um desbravador
fabrica para dar a conhecer acerca da paisagem
nova que descobriu e percorreu , não sem alegria, com sua mente e corpo.
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