Ser uma pessoa não significa o mesmo
que o “eu” ou o “ego”. A própria linguagem, instrumento do pensamento, nos
ensina a compreender: cada um tem seu próprio eu, seu próprio ego; porém a linguagem
dá vida a seis pessoas: as três do singular ( eu, tu , ele) e as três do plural
( nós, vós , eles). Não apenas o eu é pessoa, também o são eles, isto é, aqueles
do eu diferentes. O nós também é pessoa: uma pessoa coletiva que diz mais do
que o eu.
O eu diz mais quando por sua voz também
falam as outras pessoas . Como um todo é sempre maior do que a mera soma de
suas partes, o nós não é um agregado de “eus”, e sim um espaço
cognitivo-afetivo que “desabre” o eu (“desabrir” é invenção do poeta Manoel de Barros).
Não apenas o singular é pessoa, o plural também o é. Deleuze, por sua vez, afirma que existe ainda uma quarta pessoa do singular. Essa quarta pessoa é expressa por um pronome: o pronome reflexivo “se”.
Uma coisa é quando o ego pensa, tal como no cogito cartesiano “Penso, logo [eu] existo”; outra diferente é quando se afirma : “pensa-se, logo há a existência do absolutamente infinito”, como ensina Espinosa. No pensa-se há um pensar que não é do eu, um pensar que é potência plural da própria vida. E a vida nunca é apenas pessoal, ela também é coisal, mineral, vegetal, animal, astral...
Por trás do pronome eu há um nome que designa alguém, um ego; mas o “se”
é sempre pronome que expressa um impessoal não egoico. Quando Van Gogh cria,
ele tinta-se, ele obra-se, ele faz-se...Seu nome não designa mais um ego, uma
vez que sua assinatura expressa um estilo. É preciso tornar-se impessoal para
conquistar uma expressão singular no mais alto grau, na qual "vive-se" se torna
sinônimo de "arte-se".
Pensado dessa maneira, há em Fernando
muitas Pessoas e pouco ego, ao passo que em Manoel de Barros há mais o “se” das
coisas se fazendo nele, de tal modo que em seu poetar há “Um retrato do artista
quando coisa”.
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