quinta-feira, 4 de março de 2021

manoel e o pote

 

No poema "Aventura", o personagem é um pote que Manoel de Barros encontra jogado fora de "barriga vazia para cima", “encostado  à natureza”. Nesse estado de abandono, o pote continha apenas o vazio.  Talvez o pote já  tenha guardado  um dia algo muito desejável, e que com avidez  os homens devoraram. Enquanto durou esse conteúdo , o pote foi amado – ou  imaginou que o  fosse. Depois de lhe tirarem tudo , ele   foi então  abandonado pelos mesmos homens que  dele se alimentaram.  “Inútil”,  o pote já não servia para nada, a não ser para metamorfoses, pois é isso que a natureza produz em tudo aquilo que, ao encostar nela, sofre um contágio, uma comunhão: "depois desse desmanche em natureza, as latas podem até namorar com as borboletas", pressagiou o poeta. Tomado pela dor, o poeta se foi  pensando  no triste fim daquele pote...

Tempos depois, o poeta teve que passar pelo mesmo lugar ermo. Lembrou do pote e preparou-se para ver de novo aquela imagem do sofrimento. Porém, nesse intervalo de tempo , sem que o poeta soubesse, um passarinho passou voando “atoamente” sobre o pote e cuspiu uma semente em seu ventre vazio. Ali já havia areia e cisco  que a natureza depositou. "As chuvas e os ventos deram à gravidez do pote forças de parir", constatou o poeta. Onde antes crescia o vazio,  agora um vivo poema aflorou: nasceu do  ventre  um pé de rosas .E repleto ficou o pote com a beleza que se oferta sem nada pedir em troca, feito a poesia que o poeta oferta  para aplacar um pouco a nossa dor.


"O que é a arte? É criar uma magia sugestiva contendo ao mesmo tempo o objeto e o sujeito, o mundo exterior ao artista e o próprio artista". (Baudelaire)



- A capa do livro é de autoria de Martha Barros:

http://www.marthabarros.com.br/












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