No poema "Aventura", o
personagem é um pote que Manoel de Barros encontra jogado fora de "barriga
vazia para cima", “encostado à
natureza”. Nesse estado de abandono, o pote continha apenas o vazio. Talvez o pote já tenha guardado um dia algo muito desejável, e que com
avidez os homens devoraram. Enquanto
durou esse conteúdo , o pote foi amado – ou
imaginou que o fosse. Depois de
lhe tirarem tudo , ele foi então abandonado pelos mesmos homens que dele se alimentaram. “Inútil”,
o pote já não servia para nada, a não ser para metamorfoses, pois é isso
que a natureza produz em tudo aquilo que, ao encostar nela, sofre um contágio,
uma comunhão: "depois desse desmanche em natureza, as latas podem até
namorar com as borboletas", pressagiou o poeta. Tomado pela dor, o poeta
se foi pensando no triste fim daquele pote...
Tempos depois, o poeta teve que
passar pelo mesmo lugar ermo. Lembrou do pote e preparou-se para ver de novo
aquela imagem do sofrimento. Porém, nesse intervalo de tempo , sem que o poeta
soubesse, um passarinho passou voando “atoamente” sobre o pote e cuspiu uma
semente em seu ventre vazio. Ali já havia areia e cisco que a natureza depositou. "As chuvas e
os ventos deram à gravidez do pote forças de parir", constatou o poeta.
Onde antes crescia o vazio, agora um
vivo poema aflorou: nasceu do
ventre um pé de rosas .E repleto
ficou o pote com a beleza que se oferta sem nada pedir em troca, feito a poesia
que o poeta oferta para aplacar um pouco
a nossa dor.
"O que é a arte? É criar uma magia sugestiva contendo ao mesmo tempo o objeto e o sujeito, o mundo exterior ao artista e o próprio artista". (Baudelaire)
- A capa do livro é de autoria de Martha Barros:
http://www.marthabarros.com.br/
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