Segundo a
mitologia, assim teria surgido a música: certa vez, Pã se apaixonou por uma Ninfa. Pã é o oposto
do Minotauro. Ambos são a junção da animalidade com o homem, porém de forma
inversa. Enquanto no Minotauro a parte
animal ocupa o lugar onde deveria estar
a cabeça pensante humana, em Pã a parte animal vigora da cintura pra baixo. Em Pã as pernas são as
“pulsões de vida” a movê-lo. A cabeça de
Pã é humana , porém ela não é repressora dos impulsos vitais. Por isso, Pã também fazia parte do cortejo de Dioniso celebrando a arte e a vida. No Minotauro, ao contrário,
onde deveriam estar ideias, dominava a
fúria do touro. No animal touro essa
fúria é expressão do instinto. Porém no Minotauro essa fúria se tornou barbárie a serviço da parte humana acéfala. A sede de
sangue do Minotauro não vinha da parte que era touro , os touros são herbívoros; a sede de sangue vinha da parte humana com mentalidade de besta, a mesma mentalidade que hoje vemos na besta-fascista. Enquanto o Minotauro é movido pela pulsão de morte, Pã segue as pulsões da vida, pulsões que unem o homem ao seu corpo, para assim
formarem um todo intensamente vivo ( isso explica, segundo alguns, o nome “Pã”, que significa “todo”, dando
origem também ao termo “panteísmo” ).
Voltando ao
desejo de Pã pela Ninfa. Rejeitando a
aparência de Pã , a Ninfa não correspondeu e fugiu , sem ao menos ouvir o que Pã queria
dizer. Pã a seguiu , desejando apenas expressar para ela aquilo que ele mesmo nem sabia ao certo como
falar. Mas a Ninfa entrou num lago e pediu que as Nereidas , divindades
aquáticas, a escondessem de tal forma que Pã nunca a encontrasse. As Nereidas metamorfosearam a Ninfa num feixe de caniços de bambu. Pã chegou ao lago procurando pela Ninfa , não a encontrou. Pela primeira vez, Pã ficou
triste, sentindo uma dor como nunca
sentiu. A dor tinha por causa algo que estava dentro dele e que ele precisava
expressar ( “ex-pressio”: “pressionar para fora”). A parte pensante de Pã teve então
uma ideia para tentar curar aquele sofrimento: Pã pegou o feixe de caniços , os amarrou e começou a soprar dentro deles. Embora
fossem apenas sons, tais sons diziam
mais do que as palavras que ele queria dizer à Ninfa. E assim nasceu a música, ao mesmo tempo arte
e cura. “Sopro” é , em grego, “Pneuma” ( “spiritus” , em latim). Sem que Pã
soubesse , seu espírito penetrou no corpo metamorfoseado da Ninfa, que enfim lhe correspondeu sob a forma de música. Com a
arte, Pã curava a dor e afirmava a vida , pois na música a Ninfa lhe fazia companhia.
“Sem a música, a
vida seria um erro”. (Nietzsche)
“A palavra abriu
o roupão para mim: ela quer que eu a seja”. (Manoel de Barros)
(imagem: “O lago
das Ninfas”/ Monet)
- O relato que fiz narra a origem da música de sopro, música dionisíaca , ancestral sonoro das diversas espécies de flauta e instrumentos de sopro , como o sensível e intenso sax de Pixinguinha e John Coltrane, Pneumas em estado puro. As músicas nascidas da corda, músicas apolíneas, têm outra origem.
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