quarta-feira, 24 de março de 2021

sobre a simbologia dos mitos, ontem e hoje

 

Às vezes, os cúmplices do genocida  o chamam de "mito". De certo modo, eles não estão errados. Pois certos mitos também simbolizam as “sombras”, como diz Jung, da psiquê humana.  Assim, mitos não são apenas Zeus, Hermes, Afrodite, Eros, Dioniso ...Também são mitos , por exemplo, os "Ciclopes" , seres de um olho só na testa simbolizando “estreiteza de visão”. Os Ciclopes eram inimigos de Zeus, que simboliza a ética e a justiça, e de Eros, o deus do amor. Os Ciclopes simbolizavam    a besta  bárbara de visão estreita , e hoje essa visão estreita nos ameaça  com a ignorância negacionista . Outro mito que simboliza o genocida são as “Erínias” ( “Fúrias”, em latim), deusas do ódio e da vingança. Foram elas que despedaçaram “Orfeu”, o poeta que cantava a vida e a arte. Quando Eurídice desapareceu, o poeta Orfeu parou de cantar. Eurídice era o par de Orfeu. Para os gregos, “Eurídice” também é um dos nomes da alma, assim como “Psiquê” e “Pneuma”. Então, as Erínias  queriam que Orfeu esquecesse a alma e se tornasse o general do exército de morte delas , cantando assim a guerra , o ódio e a vingança, para ajudá-las a espalhar tais vilezas pelo mundo. Como Orfeu se recusou a usar sua arte para servir à barbárie, as Erínias  o despedaçaram ( tal como as Erínias-fascistas   de hoje que despedaçaram a placa de rua com o nome de Marielle...).  Mas isso não fez morrer o poeta , pois seu filho de nome “Museu”, poeta como o pai, recolheu os fragmentos que Orfeu se tornou e os reuniu novamente, fazendo surgir assim a primeira exposição do mundo, na qual Orfeu reencontrou sua alma-Eurídice expressa em sua arte. O genocida também lembra Procusto , um personagem perverso que oferecia uma “cama” fabricada por ele às pessoas que passavam cansadas por uma estrada. Quando as pessoas se deitavam na tal cama, porém, acontecia algo estranho: ninguém cabia direito nela. Quando a pessoa era maior do que a cama , Procusto pegava um machado e decepava as pernas e sobretudo a cabeça .  Quando, ao contrário, a pessoa era menor , Procusto amarrava as pernas e os braços dela com correntes , esticando brutalmente até desmembrá-los... Ninguém sobrevivia àquela cama transformada em túmulo: querendo que cada um se amoldasse à força, Procusto acabava matando todo mundo. Quando as pessoas reclamavam, Procusto pegava friamente uma régua e media com rigidez militar a cama, e dizia: “A cama é perfeita, normal, homogênea: cada lado é idêntico ao outro . A régua não mente! O defeito está em vocês :por serem  diferentes e heterogêneos, vocês não cabem na minha Verdade!” A cama de Procusto pode receber  outros nomes: “Minha Opinião”, “Meu Dogma”, “Meu Credo” ...O que não couber em tais “fôrmas”, Procusto vingativamente corta, nega, mata – física ou simbolicamente . O tamanho de tal cama é o da pequeneza: só ficando sem a cabeça, acéfalo, se pode caber nela.




Este  livro que sugeri não é de introdução à mitologia, e sim de interpretação de alguns mitos segundo a perspectiva do autor, perspectiva da qual muitas vezes discordo , sobretudo nas interpretações feitas do mito de Dioniso e Orfeu ( o mito de Procusto não se encontra no livro).  Em algumas versões do mito de Orfeu  são as Mênades, e não as Erínias/Fúrias, que despedaçam o poeta. Porém, mesmo com a cabeça decepada pela barbárie, a voz do poeta não é silenciada, pois ele continua a resistir cantando a vida. Em toda obra de arte na qual  a vida resiste àqueles que querem silenciá-la, a voz de Orfeu ainda está viva e canta.  



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