Às vezes, os cúmplices do
genocida o chamam de "mito".
De certo modo, eles não estão errados. Pois certos mitos também simbolizam as
“sombras”, como diz Jung, da psiquê humana.
Assim, mitos não são apenas Zeus, Hermes, Afrodite, Eros, Dioniso
...Também são mitos , por exemplo, os "Ciclopes" , seres de um olho
só na testa simbolizando “estreiteza de visão”. Os Ciclopes eram inimigos de
Zeus, que simboliza a ética e a justiça, e de Eros, o deus do amor. Os Ciclopes
simbolizavam a besta bárbara de visão estreita , e hoje essa visão
estreita nos ameaça com a ignorância
negacionista . Outro mito que simboliza o genocida são as “Erínias” ( “Fúrias”,
em latim), deusas do ódio e da vingança. Foram elas que despedaçaram “Orfeu”, o
poeta que cantava a vida e a arte. Quando Eurídice desapareceu, o poeta Orfeu
parou de cantar. Eurídice era o par de Orfeu. Para os gregos, “Eurídice” também
é um dos nomes da alma, assim como “Psiquê” e “Pneuma”. Então, as Erínias queriam que Orfeu esquecesse a alma e se
tornasse o general do exército de morte delas , cantando assim a guerra , o
ódio e a vingança, para ajudá-las a espalhar tais vilezas pelo mundo. Como
Orfeu se recusou a usar sua arte para servir à barbárie, as Erínias o despedaçaram ( tal como as
Erínias-fascistas de hoje que
despedaçaram a placa de rua com o nome de Marielle...). Mas isso não fez morrer o poeta , pois seu
filho de nome “Museu”, poeta como o pai, recolheu os fragmentos que Orfeu se
tornou e os reuniu novamente, fazendo surgir assim a primeira exposição do
mundo, na qual Orfeu reencontrou sua alma-Eurídice expressa em sua arte. O
genocida também lembra Procusto , um personagem perverso que oferecia uma
“cama” fabricada por ele às pessoas que passavam cansadas por uma estrada.
Quando as pessoas se deitavam na tal cama, porém, acontecia algo estranho:
ninguém cabia direito nela. Quando a pessoa era maior do que a cama , Procusto
pegava um machado e decepava as pernas e sobretudo a cabeça . Quando, ao contrário, a pessoa era menor ,
Procusto amarrava as pernas e os braços dela com correntes , esticando
brutalmente até desmembrá-los... Ninguém sobrevivia àquela cama transformada em
túmulo: querendo que cada um se amoldasse à força, Procusto acabava matando
todo mundo. Quando as pessoas reclamavam, Procusto pegava friamente uma régua e
media com rigidez militar a cama, e dizia: “A cama é perfeita, normal,
homogênea: cada lado é idêntico ao outro . A régua não mente! O defeito está em
vocês :por serem diferentes e
heterogêneos, vocês não cabem na minha Verdade!” A cama de Procusto pode
receber outros nomes: “Minha Opinião”,
“Meu Dogma”, “Meu Credo” ...O que não couber em tais “fôrmas”, Procusto
vingativamente corta, nega, mata – física ou simbolicamente . O tamanho de tal
cama é o da pequeneza: só ficando sem a cabeça, acéfalo, se pode caber nela.
Este livro que sugeri não é de introdução à
mitologia, e sim de interpretação de alguns mitos segundo a perspectiva do
autor, perspectiva da qual muitas vezes discordo , sobretudo nas interpretações feitas do mito de Dioniso e Orfeu ( o mito de Procusto não se encontra no livro). Em algumas versões do mito de Orfeu são as Mênades, e não as Erínias/Fúrias, que
despedaçam o poeta. Porém, mesmo com a cabeça decepada pela barbárie, a voz do
poeta não é silenciada, pois ele continua a resistir cantando a vida. Em toda
obra de arte na qual a vida resiste
àqueles que querem silenciá-la, a voz de Orfeu ainda está viva e canta.
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