Dia desses, numa manhã muita bonita, vi
passar um senhor bem idoso, porém firme e altivo. Vê-lo fez reviver dentro de mim uma palavra
que há muito eu não dizia. Foi a “potência-alegria” de que fala
Espinosa o que senti ao saber que tal palavra ainda em mim
vivia , à espera de reencontrar
aquele a quem ela designa e nomeia. Essa palavra não estava escrita no meu cérebro
onde se acumulam teorias, ela estava
guardada em meu coração ,lugar do Afeto, junto à lembrança dos seres que conheci e que
me tornaram o que sou. Foi então do coração que a palavra veio subindo, já com
pleno sentido, embora ainda sem se vestir com o som. Quando ela chegou à minha
boca, tornou-se voz e chamou: “Mestre!!!”. Aquele senhor era um querido professor que tive há muito tempo. Ele me
reconheceu , sorriu e estendeu a mão para mim, encontrando a minha que já lhe estava estendida desde a primeira aula dele que assisti . Não sei ao certo quanto tempo conversamos, o
durar do afeto não o mede relógios. Quando nos despedimos, fiquei parado
vendo-o ir, e pensei: ”Será que ele sabe o quanto foi importante em minha
vida?” Antes de ele ir, olhei seu rosto
e tive a impressão de que ele também estava a
recordar-se do mestre que teve e que o inspirou a ser mestre, e por isso
ele entendia minha gratidão. E esse outro mestre do mestre, se vivo estiver,
também deve estar se lembrando, hoje, daquele que o fez mestre. Pois hoje é dia não
exatamente de nos lembrarmos de nós mesmos , mas daqueles que nos fizeram ser o
que somos, professores. É sempre o aprender que vem primeiro. O autêntico
professor gosta de ensinar porque, antes, amou aprender com aquele que lhe
ensinou lições que não estão apenas em livros. Creio que nos tornamos professores quando o mestre
que nos fez mestre não vive apenas fora,
ele passa a viver dentro da gente, e com
ele continuamos a aprender mesmo enquanto
ensinamos. Assim, apenas sob certa perspectiva aquele meu antigo mestre
se afastava de mim, sob outra perspectiva
ele nunca de mim saiu desde que , com
suas aulas, em minha vida entrou , passando a viver na companhia de outros queridos mestres que igualmente entraram em mim e me tornaram o que sou : a Professora Nadir ( minha primeira professora
de filosofia e quem me libertou), o inesquecível Cláudio Ulpiano, o generoso Luiz
Alfredo Garcia-Roza , o grande Gerd Bornheim e o sábio Junito Brandão : “O melhor de mim sou
Eles”(Manoel de Barros)
(Como minha querida Professora Nadir não escreveu livros,
posto esta imagem que me fez lembrar dela , com o trecho de um poema de seu poeta preferido. Na foto, Stheffany Rafaela, moradora de uma comunidade
do Recife, que transforma em sala de aula as vielas de sua comunidade. Foto:
Aldo Carneiro/Pernambuco Press).
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