quarta-feira, 24 de outubro de 2018

espinosa e a saúde da mente




Em Espinosa, a palavra “emenda” (emendatio , em latim) tem dois  sentidos aproximados: curar e  regenerar .  É assim que o intelecto, ou mente,  conquista sua saúde: emendando-se. A mente se  emenda por intermédio de ideias e afetos ativos, compreendendo e agindo. A emendatio não é um processo apenas intelectual de ler livros, mesmo que sejam os livros de Espinosa. Emendar também é ligar-se, “desabrir-se”, como diz Manoel de Barros, conhecendo-se como parte : do cosmos, da natureza e da comunidade humana. O oposto da emendatio é o colocar-se como  um todo à parte, à parte sobretudo da comunidade humana,  como  dono  de uma  “Verdade” que não aceita alteridade. Não se cura a mente  sem curar também , e antes de tudo, o modo de vida , incluindo a vida social e coletiva.  “Mente” não é apenas razão , “mente” é a união do pensamento e do afeto . Depois, com a mente em saúde ,  pode-se então buscar seu aprimoramento ou aperfeiçoamento. Espinosa chamava de “Lógica” a esse aprimoramento. Em suas obras, ele anuncia que escreveria uma lógica , assim como uma medicina e uma dietética: estas para o aperfeiçoamento do corpo, aquela para o aperfeiçoamento da mente. Infelizmente, o filósofo faleceu antes de escrever tais obras. Para aperfeiçoar a mente é preciso, primeiro, curá-la, ligá-la à pluralidade aberta.E a isto Espinosa chamava de “ética”.  Sozinha, sem a ética, a lógica  não tem esse poder de abrir a mente. Ao contrário, uma mente doente pode valer-se da lógica para dar vazão à sua doença, fechando-se ainda mais em sua estreiteza mental, que gera um comportamento igualmente estreito. Uma mente doente  é uma mente intolerante,  antipoética e antifilosófica, enfim, antidemocrática. A lógica é apenas linguagem, simulação do pensamento. O pensamento é abertura. A mente doente, fechada em sua clausura, pode valer-se da mera linguagem para dissimular ou esconder sua loucura. Um rebanho de mentes doentes forma uma mentalidade fechada  que se retroalimenta ao fazer-se surda a toda lógica que não seja a da sua própria loucura. Quando a mente é doente, a mera linguagem pode ajudar a esconder essa doença, travestindo-a inclusive de discurso religioso ou político, ou a mistura dos dois. Quando a mente está em saúde  pela potência das ideias, ela aprende a expandir-se em cada palavra que expressa e em cada ação que seu corpo realiza, para assim ser remédio a serviço da saúde em sua luta contra a doença.



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