Em Espinosa, a palavra “emenda” (emendatio , em latim) tem dois sentidos aproximados: curar e regenerar . É assim que o intelecto, ou mente, conquista sua saúde: emendando-se. A mente se emenda por intermédio de ideias e afetos
ativos, compreendendo e agindo. A emendatio não é um processo apenas
intelectual de ler livros, mesmo que sejam os livros de Espinosa. Emendar
também é ligar-se, “desabrir-se”, como diz Manoel de Barros, conhecendo-se como
parte : do cosmos, da natureza e da comunidade humana. O oposto da emendatio é
o colocar-se como um todo à parte, à parte sobretudo da comunidade humana, como
dono de uma “Verdade” que não aceita alteridade. Não se cura
a mente sem curar também , e antes de
tudo, o modo de vida , incluindo a vida social e coletiva. “Mente” não é apenas razão , “mente” é a
união do pensamento e do afeto . Depois, com a mente em saúde , pode-se então buscar seu aprimoramento ou aperfeiçoamento.
Espinosa chamava de “Lógica” a esse aprimoramento. Em suas obras, ele anuncia
que escreveria uma lógica , assim como uma medicina e uma dietética: estas para
o aperfeiçoamento do corpo, aquela para o aperfeiçoamento da mente. Infelizmente,
o filósofo faleceu antes de escrever tais obras. Para aperfeiçoar a mente é
preciso, primeiro, curá-la, ligá-la à pluralidade aberta.E a isto Espinosa
chamava de “ética”. Sozinha, sem a
ética, a lógica não tem esse poder de
abrir a mente. Ao contrário, uma mente doente pode valer-se da lógica para dar
vazão à sua doença, fechando-se ainda mais em sua estreiteza mental, que gera
um comportamento igualmente estreito. Uma mente doente é uma mente intolerante, antipoética e antifilosófica, enfim,
antidemocrática. A lógica é apenas linguagem, simulação do pensamento. O
pensamento é abertura. A mente doente, fechada em sua clausura, pode valer-se
da mera linguagem para dissimular ou esconder sua loucura. Um rebanho de mentes
doentes forma uma mentalidade fechada
que se retroalimenta ao fazer-se surda a toda lógica que não seja a da
sua própria loucura. Quando a mente é doente, a mera linguagem pode ajudar a
esconder essa doença, travestindo-a inclusive de discurso religioso ou
político, ou a mistura dos dois. Quando a mente está em saúde pela potência das ideias, ela aprende a
expandir-se em cada palavra que expressa e em cada ação que seu corpo realiza,
para assim ser remédio a serviço da saúde em sua luta contra a doença.
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