quarta-feira, 12 de setembro de 2018

o coletivo...


Quando vejo que vai bater de frente, piso no freio, desvio. Não por medo de colisões, mas porque dirijo um ônibus cheio de crianças, idosos, grávidas, jovens sonhadores...enfim, transporto gente. Nunca cobro passagem. Entra e segue comigo no coletivo somente quem ama a estrada, sem cobranças : "a estrada põe sentido em mim", diz o poeta-andarilho. Não tenho itinerários, somente itinerâncias . Minha estrada é uma linha de fuga. Se for preciso, modestamente freio ou desvio, mas para seguir em frente, indo.
Muitos, ao contrário, quando veem que há outro no seu caminho aceleram e buscam o choque , o ódio recíproco. Em geral são seres que conduzem , solitariamente, seus ressentidos veículos. Também nunca vou na mesma direção em que vai uma carreta amontoada apenas de coisas, pois tais carretas vão para o mercado onde tudo tem seu preço sob a lógica do compra-e-vende.
E que sigam seu caminho os que ostentam velozes e caras mercedes de ouro , embora dirijam sozinhos ( até mesmo diminuo minha velocidade para deixar que eles me ultrapassem, embora não estejamos indo para o mesmo destino).
Tenho um único desejo: que nunca me falte a visão, a firmeza, a modéstia e a paciência de saber quando é a hora de pisar no freio, para não destruir ou ser destruído, e de quando é a hora de acelerar, sempre seguindo em frente ao aberto horizonte.
Transporto sonhos, delírios, manifestos, utopias, comédias, tragédias, fabulações, metafísicas, subversões, poesias, constituições, contemplações...Transporto um "afloramento de falas" , pois transporto o que me transporta: transporto livros. Assim me parece ser um educador : um condutor de coletivo, e não de carro particular.



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