terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

O escudo de Espinosa

 

Na mitologia, Cupido , o Amor, tinha uma arma. Mas engana-se quem pensa que a arma do Amor-Cupido era apenas a flecha que ele desferia.

Além disso, a flecha do Amor-Cupido nunca era uma arma da violência e da morte, ela nunca mirava “calcanhares”, como fez aquela flecha desferida pelo inimigo de Aquiles, flecha que mirou e acertou seu “calcanhar”, para assim se aproveitar do que há de fraco , mesmo nos fortes. 

Tampouco Eros-Cupido atirava flechas para matar , como as muitas flechas que atiraram os carrascos de São Sebastião, padroeiro do Rio. Hoje essas flechas são balas que continuam a matar seus filhos, sobretudo os pobres, pretos,  excluídos.

Eros-Cupido lançava  apenas uma flecha. Uma flecha apenas bastava, pois sua flecha única tornava singular a quem ela atingia. Porém , essa flecha era como   um cinzel ,  uma ferramenta para produzir  metamorfose, como as mãos do escultor ao mármore.

A flecha-cinzel tinha  como alvo o coração, e apenas a este. A flecha parecia que feria, mas  era como  o faz a  agulha da vacina : para curar e fortalecer, imunizando. 

Eros-Cupido atingia o coração para fazer deste uma arma sua. Era  o coração , portanto, a arma verdadeira que Eros-Cupido desejava: a flecha era apenas um cinzel para esculpir a arma autêntica do amor.

No coração atingido pela flecha-cinzel  do amor era esculpido um escudo, e um escudo o coração inteiro se tornava . A verdadeira arma do amor é um escudo como símbolo do cuidado, que Espinosa em sua Ética colocou como base de sua filosofia , designando esse cuidado pelo seu nome latino: "caute".

Mas ao contrário dos escudos costumeiros  que protegem apenas o seu portador, e mesmo o escudo da Inteligência-Atena é assim, o escudo do amor protege dos dois lados: protege quem com ele se arma e também aquele que  quer atacá-lo.

Não por acaso, em sua Ética Espinosa assim chama o desejo: Cupiditas, a potência de Cupido. E a maior virtude que nasce do desejo é a fortitudo, a fortaleza-escudo. Na língua banto, fortitudo se chama “quilombo”, que é o escudo ético-político que, ontem e hoje, protege os que enfrentam as tiranias.


Este livro é apenas uma sugestão:








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