sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Espinosa: só um afeto pode vencer outro afeto

 

Há em Espinosa uma rica  lição ao mesmo tempo filosófica, ética, política , educacional e clínica. Pela sua força emancipadora, não é uma lição datada, pois ela  se aplica a qualquer época na qual a vida digna esteja sob risco, tanto a vida pessoal quanto a coletiva.

É uma lição que envolve ideia e afeto, pois é endereçada não apenas ao intelecto, mas também ao “ânimo”, cuja sede é  o coração.

Assim ensina Espinosa: “Não se vence um afeto reativo empregando meros raciocínios lógicos e teóricos, por mais bem construídos que sejam. Pois somente  um afeto potencializador tem a capacidade de derrotar um afeto reativo e limitador. Enfim, apenas a alegria pode refrear a tristeza, somente o amor pode derrotar o ódi0.”

 É claro que Espinosa não quer dizer que devemos ter amor aos  nossos carrascos, tampouco  sentirmos  alegria quando algo triste nos acontece.

Quando precisamos  vencer uma doença, por exemplo, não é a odiand0 que conseguiremos êxito,  e sim agindo conforme  o amor à saúde. É o amor à saúde que nos faz compreender até mesmo a  necessidade de um remédio amargo.

Naqueles que são dignos e justos, é  natural  sentir  ódio diante das tir4nias. Mas esse ódi0 somente não  imobiliza e adoece quando é convertido em indignação que agencie ações movidas pelo amor à vida digna, em favor da  saúde da mente coletiva, ao modo como   as palavras se unem num poema de Manoel  : “Minhas palavras não se ajuntam por sintaxe, mas por afeto.”  

 Aqueles que se unem  por amor à vida digna, também estão  se unindo  pela democracia, pela educação, pela justiça, pela pluralidade... E se unem não apenas em palavras  ,   se unem sobretudo em ações, que assim se tornam exemplos de ideias pensadas que viram  ferramentas para  mudarem uma situação.

Em Espinosa, alegria e amor não são sentimentos idealizados ou românticos , mas forças ativas que nos levam a criar elos para construir realidade, ao passo que o  ódi0 é uma  força reativa que se caracteriza pela negação e (auto)destrutividade.

Creio que Manoel de Barros traduz essa lição de Espinosa com os seguintes versos: “Poesia pode ser que seja fazer outro mundo.” Fazer outro mundo por dentro, autonomamente, e fazer outro mundo por fora , combativamente, mas  sem perder o amor e a alegria  potencializadores. Como também ensina Nietzsche: “Só podemos destruir sendo criadores.”

Para  anular ou refrear a treva é preciso acender  uma luz. E quanto mais a luz for forte, mais recua e se torna fraca  a treva. A luz não extrai sua luminosidade da treva, ela extrai sua luminosidade de si mesma. E quanto mais potente é a luz, mais ela ilumina, por dentro e por fora, perseverantemente.

(  imagem : versão do artista de rua Tyler da famosa cena do filme “O grande dit4dor”, de Chaplin. Coloquei os dois “lambe-botas”   exatamente onde  gostam de ficar: debaixo da bota do Trump-Dit@dor).




 

O texto entre aspas da postagem é uma interpretação da proposição 7 da Quarta Parte da Ética de Espinosa , que afirma: “Um afeto não pode ser refreado nem anulado senão por um afeto contrário e mais forte do que o afeto a ser refreado.” Ou seja, não basta  o amor e a alegria serem diferentes e contrários ao ódio e à tristeza para eles anularem ou refrearem esses afetos negativos , é preciso que amor e alegria sejam mais fortes, mais potentes. E quando o amor e a alegria são mais fortes, nós mesmos nos potencializamos e agimos ; e o ódio e a tristeza somente se tornam “fortes” ao preço da nossa fraqueza e impotência, das quais  se aproveitam  os tiranos.

 

 

 E dia 12 foi aniversário do grande Martinho da Vila ( 87 anos). Esta música de Martinho é de 1969, e foi  uma canção de resistência à ditatura militar. A expressão “homem de bem”, que aparece  na música, tinha à época um sentido muito  diferente do que tem hoje na boca dos fascistas.




 

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