Há em Espinosa
uma rica lição ao mesmo tempo
filosófica, ética, política , educacional e clínica. Pela sua força
emancipadora, não é uma lição datada, pois ela se aplica a qualquer época na qual a vida digna
esteja sob risco, tanto a vida pessoal quanto a coletiva.
É uma lição que
envolve ideia e afeto, pois é endereçada não apenas ao intelecto, mas também ao
“ânimo”, cuja sede é o coração.
Assim ensina
Espinosa: “Não se vence um afeto reativo empregando meros raciocínios lógicos e
teóricos, por mais bem construídos que sejam. Pois somente um afeto potencializador tem a capacidade de
derrotar um afeto reativo e limitador. Enfim, apenas a alegria pode refrear a
tristeza, somente o amor pode derrotar o ódi0.”
É claro que Espinosa não quer dizer que
devemos ter amor aos nossos carrascos, tampouco sentirmos
alegria quando algo triste nos acontece.
Quando precisamos
vencer uma doença, por exemplo, não é a
odiand0 que conseguiremos êxito, e sim
agindo conforme o amor à saúde. É o amor
à saúde que nos faz compreender até mesmo a necessidade de um remédio amargo.
Naqueles que são
dignos e justos, é natural sentir ódio diante das tir4nias. Mas esse ódi0 somente
não imobiliza e adoece quando é
convertido em indignação que agencie ações movidas pelo amor à vida digna, em
favor da saúde da mente coletiva, ao
modo como as palavras se unem num poema de Manoel : “Minhas palavras não se ajuntam por sintaxe,
mas por afeto.”
Aqueles que se unem por amor à vida digna, também estão se unindo pela democracia, pela educação, pela justiça,
pela pluralidade... E se unem não apenas em palavras , se
unem sobretudo em ações, que assim se tornam exemplos de ideias pensadas que viram ferramentas para mudarem uma situação.
Em Espinosa,
alegria e amor não são sentimentos idealizados ou românticos , mas forças ativas
que nos levam a criar elos para construir realidade, ao passo que o ódi0 é uma força reativa que se caracteriza pela negação
e (auto)destrutividade.
Creio que Manoel
de Barros traduz essa lição de Espinosa com os seguintes versos: “Poesia pode
ser que seja fazer outro mundo.” Fazer outro mundo por dentro, autonomamente, e
fazer outro mundo por fora , combativamente, mas sem perder o amor e a alegria potencializadores. Como também ensina
Nietzsche: “Só podemos destruir sendo criadores.”
Para anular ou refrear a treva é preciso acender uma luz. E quanto mais a luz for forte, mais recua
e se torna fraca a treva. A luz não
extrai sua luminosidade da treva, ela extrai sua luminosidade de si mesma. E
quanto mais potente é a luz, mais ela ilumina, por dentro e por fora, perseverantemente.
( imagem : versão do artista de rua Tyler da
famosa cena do filme “O grande dit4dor”, de Chaplin. Coloquei os dois “lambe-botas”
exatamente
onde gostam de ficar: debaixo da bota do
Trump-Dit@dor).
O texto entre aspas da postagem é uma interpretação da proposição 7 da Quarta Parte da Ética de Espinosa , que afirma: “Um afeto não pode ser refreado nem anulado senão por um afeto contrário e mais forte do que o afeto a ser refreado.” Ou seja, não basta o amor e a alegria serem diferentes e contrários ao ódio e à tristeza para eles anularem ou refrearem esses afetos negativos , é preciso que amor e alegria sejam mais fortes, mais potentes. E quando o amor e a alegria são mais fortes, nós mesmos nos potencializamos e agimos ; e o ódio e a tristeza somente se tornam “fortes” ao preço da nossa fraqueza e impotência, das quais se aproveitam os tiranos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário