sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

a besta humana

 

Em seu comentário ao livro “A besta humana”, de Zola, o filósofo Gilles Deleuze fala de alguns  comportamentos hediond0s , de ontem e de hoje, identificáveis à  “besta”.

A besta não é um animal determinado da zoologia. A besta é uma espécie de “fundo indeterminado” propagador de (auto)destruição e m0rte, uma espécie de “buraco negro” que suga e extingue toda forma de luz.

Os instintos  protegem os animais  desse “fundo indeterminado”. Nenhum animal é capaz de cometer ato hediondo ou b4rbárie inexplicável, pois todos os seus comportamentos são explicáveis pelos instintos.

 A ferocidade do leão, por exemplo, não é maldade ou crueldade, mas um comportamento explicável por sua natureza de leão. Conhecendo essa natureza, podemos agir para evitarmos que essa ferocidade nos vitime.

No homem, o instinto não tem força suficiente  para protegê-lo desse fundo indeterminado . Tampouco pode a inteligência, sozinha, vencer esse “buraco negro”, o ninho onde dorme a besta.

Pois a inteligência , com suas teorias e invenções tecnológicas, é voltada para o domínio do mundo externo, de tal modo que a besta sempre se esconde às suas costas, como uma sombra.

Pode acontecer de a besta se servir dos frutos da inteligência e usá-los como  doenti4s armas suas : “mísseis  inteligentes”, por exemplo,  são a inteligência a serviço da besta e sua necrop0lític4 de extermínio que não poupa nem crianças...

 A Inteligência Artificial  , apesar de fruto da tecnologia avançada, também pode servir à mentalidade obscurantist4 e atrasada da besta.

Quando a besta toma a mente e a boca do homem, nasce então a “besteira” como  antieducação e anticonhecimento.  A besteira é a besta empregando a palavra para destruir o próprio universo simbólico.

Para quem sabe ouvir, crianças nunca dizem besteiras; somente os adultos que são uma besta  podem dizer besteiras que tortur4m os ouvidos do espírito .

 A besta pode até mesmo se servir da religião, tal como no f4natismo teológico-político  armado de int0lerânci4. A besta pode dominar o Estado, nascendo assim o Leviatã Fascist4 raivosamente militarizado e gen0cid4.

Quando a besta toma o homem, este se torna um ser irreconhecível , virando um bicho imprevisível que nem  a natureza  explica mais...                                                                                                                                                             

Na mitologia, a “Besta” era representada pelo Minotauro: metade touro, metade homem.  A besta morava num lúgubre labirinto que prendia a todos e parecia não ter saída.

Mas a bestialidade do Minotauro, sua “sede de sangue”,  não vinha do touro, que é herbívoro. A bestialidade vinha da  parte humana  acéfala e doenti4 ,  que usava a seu serviço a força bruta do touro  .

Além da inteligência, a  vida criou o pensamento. O pensar redireciona e amplia a inteligência , tornando-a   também  (cons)ciência planetária propagadora de ideias e afetos emancipadores.

Quando aceso, o pensar é luz que resiste ao buraco negro, iluminando  por dentro e por fora,  brotando da mesma energia que os instintos da vida, potencializando-se  pelo cultivo social  da empatia que agencia , da cooperação que congrega  e da indignação que une os que lutam contra as tirani4s.









 



Nenhum comentário: