Em sua Ética, Espinosa ensina que a saúde do corpo depende de que ele se nutra de alimentos diferentes (Ética, Quarta Parte, Apêndice, Capítulo 27). Não alimentos caros, mas alimentos diferentes, até mesmo simples. Pois a multiplicidade aumenta a potência e saúde da singularidade que a incorpora , fazendo a diversidade ser parte integrante de si.
Mas para que esses alimentos diferentes potencializem o corpo que deles
se alimenta, é preciso que esses alimentos se componham , ou seja, que a união
deles seja um acréscimo de força, de saúde e até mesmo de harmonia, como numa
polifonia musical feita com sons de instrumentos diferentes que, juntos, criam
uma música singular, única.
Nosso corpo é composto de diferentes tecidos, de variadas estruturas ósseas,
de sutis construções nervosas; e toda essa heterogeneidade que nos compõe , e
que faz de cada um de nós um ser único, requer igualmente uma heterogeneidade
de alimentos para manter-se e regenerar-se.
Ao contrário, um corpo que se
alimenta de apenas uma coisa, ou de poucas coisas, empobrece sua potência e
saúde, uma vez que essa única coisa ou poucas coisas ingeridas irão alimentar
apenas poucas coisas em nós , criando assim um desequilíbrio e uma desarmonia.
Como resultado, nosso corpo será um misto debilitante de excessos e carências.
Se para nos alimentar dependêssemos apenas da monocultura que o agro-ogro
produz, estaríamos todos doentes...O que nos salva é a riqueza plural da pluri-agricultura
familiar.
O que vale para nosso corpo vale ainda mais para a nossa mente. Uma mente
potente é aquela que se nutre de ideias múltiplas, diversas, plurais. Ideias
que vêm não apenas de livros, mas também de músicas, filmes, pinturas, poesias, exposições , enfim, ideias múltiplas
que nascem da vida, ideias para serem pensadas, sentidas , vividas e postas em
prática.
São essas ideias plurais que alimentam e enriquecem de vida pensante uma
mente singular. São elas que garantem a saúde da mente, tanto a mente
individual quanto a coletiva . Enfim, uma polifonia de ideias expande a mente ,
tornando-a criativa e aberta à heterogeneidade do próprio mundo.
Ao contrário, a mente que se nutre de uma ideia única, na verdade não se alimenta, e sim se envenena. Mente assim se fecha à heterogeneidade da realidade, passando a negá-la ou a temê-la . E disso se aproveitam os dogmas, as “seitas” de toda espécie ( incluindo a “seita do Mercado” ), os fanatismos, as palavras de ordem e tudo aquilo que alimenta a ignorância em suas diversas formas.
(Imagem:
“Polifonia”/ Paul Klee)
Inspirando-me em Espinosa, sempre gosto de trazer pintura , poesia e música para acompanharem as ideias escritas, para assim enriquecerem com pluralidade o aprendizado ( unindo ideia e afeto, intelecto e sensibilidade). Creio que essa lição espinosista também se encontra em Deleuze quando criou a ideia de “pop’filosofia”, que é a filosofia agenciada com as artes. A pop’filosofia une mente e corpo, ideias e afetos, pois é a criação de uma filosofia aberta à não filosofia.
Hoje, 18/01/2025, Deleuze faria 100 anos. Em homenagem a ele, deixarei uma música de um artista que era um de seus preferidos: Bob Dylan ( inclusive, Deleuze cita Bob Dylan ao falar da pop'filosofia):
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