“Em busca do tempo
perdido” fala do mais necessário dos aprendizados, um aprendizado tão
necessário quanto difícil. Não é um aprendizado a ser feito por crianças a serem
educadas , tampouco por adultos que
pouco estudaram.
O aprendizado de que
trata a obra deve ser buscado por alguém que sabe usar as palavras e se formou
aprendendo teorias, mas que se dá conta
que as teorias já conhecidas e sabidas às vezes já não dizem nada, nada
ensinam.
Esse aprendizado ,
portanto, não é sobre palavras , ele é um aprendizado sobre o tempo. Mas não se
trata do tempo preso na gaiola
abstrata do relógio , e sim do
tempo concreto , duração intensiva
da vida e do mundo. “Perdemos o
tempo” mais do que o vivemos, enquanto
ignorarmos seu aprendizado.
Esse aprendizado não é
comandado pela Inteligência e seus Conceitos, mas pelos signos. Em Proust,
signos não são apenas as palavras. As notas de uma música, um perfume, um gosto
que se desprende de um simples biscoito, podem ser um signo. Esses signos não
representam uma realidade exterior , eles expressam algo que neles está
ausente, como os “signos mundanos”, ou que neles está enrolado
como “pequenas almas” ou “Essência”, como os "signos da Arte".
O primeiro aprendizado
vem acompanhado da angústia em perceber que o “tempo que se perde” somente
sabemos dele depois que ele passa : o “mesmal”[1] do viver
resignado nos faz perder presentemente o tempo, sem disso nos darmos conta. Esse
aprendizado tem por suporte os “signos mundanos”: signos vazios, dissimulados,
“máscaras”...
O segundo aprendizado
pode vir das relações afetivas,
enquanto projetos em comum de futuro.
Quando esses projetos de futuro comum malogram e não vão em frente, tornam-se
tempo perdido que , apesar de passado, ainda pesam no presente. Essa
vivência do “tempo perdido” não se faz
sem decepção e dor. É por isso que o caminho da aprendizagem pode ser , no seu
início, doloroso. Porém, os signos amorosos são ainda reféns de “associações
subjetivas”. O ciúme, por exemplo, se mantém na subjetividade associando
ideias, mesmo que equivocadas e delirantes. O associacionismo de ideias subjetivas impede que se capte a
Essência que está envolvida nos próprios
signos.
Até que pode advir um
terceiro aprendizado : o do “tempo que se redescobre”. Aqui quem nos auxilia
é uma memória artista e clínica . Essa
memória pode nos ensinar que no passado
vivido havia realidades que não vimos, talvez porque nos cegassem o ciúme
, a insegurança ou o desejo de posse. No
seio do tempo perdido a memória não ressentida redescobre lição nova. Não
podemos mudar o passado, porém podemos evitar que ele seja um peso para o nosso
presente. Aqui , o aprendizado tem por suporte os signos enquanto qualidade que
os objetos portam, como o sabor que o biscoito liberta. Mas esse tipo de signo
ainda possui uma certa opacidade que impede a plena expressão do sentido ou
essência que se enrola nos signos.
A última etapa da
aprendizagem é o “tempo redescoberto”. Esse tempo é redescoberto aqui e agora,
e não no passado. Ele não é futuro planejado , ele é o amanhã criado a partir
de agora, como antídoto à perda presente do tempo e libertação do tempo que passou .
No sentido bem amplo da
palavra, e dito de maneira simples, o tempo redescoberto é a descoberta da arte
em seu sentido existencial, enquanto potência (re)criadora da própria vida,
pessoal e coletiva.
O tempo redescoberto nos ensina que redescobrir o tempo é redescobrir a nós mesmos, pois no tempo que se perde e no tempo perdido somos nós mesmos que nos perdemos. Não é a memória o agente desse aprendizado, mas o próprio Pensamento. Os signos da arte não são opacos, eles são diáfanos: é diáfana a tinta que produz o percepto-girassol, é diáfana a palavra literária-poética na qual uma Essência, enfim, se desenrola e expressa. Sobretudo, é em nós mesmos que o aprendizado se potencializa, quando aprendemos que o “logos” do sujeito, seu ego, aprisionavam, tornavam cativa, a nossa própria Essência singular.
Em Proust, porém, a Essência não é uma
realidade etérea e transcendente vivendo
fora do espaço e do tempo, como as Essências platônicas. A Essência é uma Diferença, uma Perspectiva.
Não uma perspectiva sobre o mundo, mas Perspectiva da qual nasce um mundo, um mundo nunca antes visto. Como
ensina Manoel de Barros em sua original Perspectiva: “Na ponta do meu lápis há
apenas nascimento”.
Tempo que se perde ,
tempo perdido , tempo que se redescobre e tempo redescoberto : esse é o caminho
do aprendizado cujo meio são os signos, e tem por mestre o tempo.
O filósofo Gilles Deleuze
assim resume a lição mais importante desse aprendizado: "O aprender vem
antes do ensinar.”
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