sábado, 30 de novembro de 2024

Linhas de fuga...

 

Uma pessoa me perguntou certa vez o que era a “linha de fuga” ensinada por Deleuze , Guattari e Cláudio Ulpiano. Tentei responder da seguinte maneira:

Uma linha de fuga não é exatamente fugir ou escapar de algo, mas fazer fugir algo que está aprisionado, cerceado , sufocado. O importante mesmo é a linha, pois muitas vezes é a linha que se encontra presa, limitada. Antes de tudo, linha de fuga não é uma ideia teórica, linha de fuga é uma prática :algo que só existe se for criado, feito, produzido, ousado.

Dei então o seguinte exemplo: Arthur Bispo do Rosário vivia preso não apenas entre as paredes de um hospital psiquiátrico, pois ele também estava cerceado dentro dele mesmo, como num labirinto.

No hospital, vestiam seu corpo com um uniforme, uma vestimenta padrão que igualmente vestia os outros internos, homogeneamente. Até que certa vez Bispo do Rosário ficou nu, tal como um recém-nascido, e começou a desfazer a forma do uniforme que o poder lhe vestiu.

Ele desfez a forma que dava ao uniforme um significado específico e determinado. Ele destruiu a forma porque ele queria encontrar a linha, a linha que estava presa naquela forma-uniforme, assim como ele mesmo estava preso na incomunicabilidade da exclusão radical.

Nietzsche dizia que “Só podemos destruir sendo criadores.” Bispo do Rosário destruiu a forma-uniforme porque queria criar algo com a linha-fio de que o uniforme era feito.

Ele também desfez as toalhas, os cobertores...até achar o fio do qual tudo é feito. Ele enrolou então os fios até formar com eles um novelo colorido. Depois, pegou um lençol branco que até então cobria seu corpo sofrido como se fosse uma mortalha, e fez desse lençol branco uma tela para nela bordar , com os fios, uma história, a sua história, que é também a história dos explorados, dos injustiçados , enfim, a história daqueles que a História dominante apaga e torna invisível .

Os fios puxados do novelo se assemelhavam ao fio de Ariadne que vence labirintos tidos por invencíveis. Arthur Bispo do Rosário desfez o uniforme padrão para dele fazer fugir uma linha para bordar sua diferença e singularidade, que assim conquistou uma fala.

Com sua bordadura clínica-artística, ele criou  uma linha de fuga que é inspiração para  necessárias e urgentes outras  linhas de fuga , por maior que seja o labirinto que nos cerca , por maior que seja a ameaça dos que idolatram uniformes  e fardas.


"Minha casa pegou fogo, o teto ruiu...Nada me esconde mais a deslumbrante lua. " ( Koan japonês)

 

( este filme é apenas uma sugestão)



 



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Os jornais têm noticiado que o “Mercado” anda nervoso, zangado, furioso, irritado...

O tal “Mercado” ficou quietinho, com um silêncio conivente, enquanto o milici4no do governo anterior torturava o orçamento público para fins eleitoreiros.

Aliás, a palavra “Mercado” não é boa, pois quando o povão a ouve imagina que o tal “Mercado” é o dono da quitanda, da padaria, da farmácia...Ou seja, de gente que lida com coisas concretas, com alimentos e remédios.

O tal “Mercado” que hoje faz terrorismo especulativo  frente  ao governo por este não chicotear os pobres , esse mercado tem um avô: o mercado de escravos.

“Capital” vem de um termo latino que significa “cabeça”, porém  uma cabeça que parece ser oca por dentro, que no lugar de cérebro  tem apenas uma ideia fixa: juros, juros, juros...

O Capital é uma cabeça desconectada de   braços que produzem e trabalham, embora digam que o Mercado possui “mão”, porém é uma “mão invisível” que apenas sabe contar dinheiro, e nunca se estende para apertar a mão e socorrer  gente de carne e osso.

O Capital não é o metal da moeda, tampouco o papel de que é feita a nota. O Capital é apenas o número abstrato que está na moeda e no papel, ele não é autêntica riqueza.

Pois riqueza de verdade é o níquel de que é feito a moeda, níquel que veio do seio da terra; riqueza é o papel de que é feita a nota, papel cuja origem são as florestas. 

“Política” vem de “pólis”. Costuma-se traduzir essa palavra por “cidade” ( “Petrópolis”: “cidade das pedras”). Mas pólis também é “organização”: tal como em “própolis”, “a favor da organização”, pois a colmeia é uma organização, um “organismo vivo”.

A economia e o Mercado são partes da organização social , eles não são os donos e nem os senhores dela, embora pareça existir  neles a nostalgia atávica da Casa-grande...

Por isso, a economia deve ser sempre vista sob a ideia de uma “economia política”, cujos afetos catalizadores devem ser a justiça, a dignidade, a igualdade, enfim, afetos sociais de solidariedade e empatia .

São  inadequadas expressões tais como "capital cognitivo", "capital afetivo", "capital simbólico", expressões sempre na boca dos atuais "influencers midiáticos"...O “Capital” tem por lógica  a acumulação e a exclusão, ao passo que o pensamento e o afeto , quando emancipadores, são  potências produtivas da cooperação, da partilha e da generosidade.

                      
                                                            (Imagem: Banksy)

 

 

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