Uma pessoa me
perguntou certa vez o que era a “linha de fuga” ensinada por Deleuze , Guattari
e Cláudio Ulpiano. Tentei responder da seguinte maneira:
Uma linha de
fuga não é exatamente fugir ou escapar de algo, mas fazer fugir algo que está
aprisionado, cerceado , sufocado. O importante mesmo é a linha, pois muitas
vezes é a linha que se encontra presa, limitada. Antes de tudo, linha de fuga
não é uma ideia teórica, linha de fuga é uma prática :algo que só existe se for
criado, feito, produzido, ousado.
Dei então o
seguinte exemplo: Arthur Bispo do Rosário vivia preso não apenas entre as
paredes de um hospital psiquiátrico, pois ele também estava cerceado dentro
dele mesmo, como num labirinto.
No hospital,
vestiam seu corpo com um uniforme, uma vestimenta padrão que igualmente vestia
os outros internos, homogeneamente. Até que certa vez Bispo do Rosário ficou
nu, tal como um recém-nascido, e começou a desfazer a forma do uniforme que o
poder lhe vestiu.
Ele desfez a
forma que dava ao uniforme um significado específico e determinado. Ele
destruiu a forma porque ele queria encontrar a linha, a linha que estava presa
naquela forma-uniforme, assim como ele mesmo estava preso na incomunicabilidade
da exclusão radical.
Nietzsche dizia
que “Só podemos destruir sendo criadores.” Bispo do Rosário destruiu a
forma-uniforme porque queria criar algo com a linha-fio de que o uniforme era
feito.
Ele também
desfez as toalhas, os cobertores...até achar o fio do qual tudo é feito. Ele
enrolou então os fios até formar com eles um novelo colorido. Depois, pegou um
lençol branco que até então cobria seu corpo sofrido como se fosse uma
mortalha, e fez desse lençol branco uma tela para nela bordar , com os fios,
uma história, a sua história, que é também a história dos explorados, dos
injustiçados , enfim, a história daqueles que a História dominante apaga e
torna invisível .
Os fios puxados
do novelo se assemelhavam ao fio de Ariadne que vence labirintos tidos por
invencíveis. Arthur Bispo do Rosário desfez o uniforme padrão para dele fazer
fugir uma linha para bordar sua diferença e singularidade, que assim conquistou
uma fala.
Com sua
bordadura clínica-artística, ele criou uma linha de fuga que é inspiração para necessárias e urgentes outras linhas de fuga , por maior que seja o
labirinto que nos cerca , por maior que seja a ameaça dos que idolatram
uniformes e fardas.
"Minha casa
pegou fogo, o teto ruiu...Nada me esconde mais a deslumbrante lua. " (
Koan japonês)
( este filme é
apenas uma sugestão)
*** *** ***
Os jornais têm noticiado que o “Mercado” anda nervoso,
zangado, furioso, irritado...
O tal “Mercado” ficou quietinho, com um silêncio conivente,
enquanto o milici4no do governo anterior torturava o orçamento público para
fins eleitoreiros.
Aliás, a palavra “Mercado” não é boa, pois quando o povão a
ouve imagina que o tal “Mercado” é o dono da quitanda, da padaria, da
farmácia...Ou seja, de gente que lida com coisas concretas, com alimentos e
remédios.
O tal “Mercado” que hoje faz terrorismo
especulativo frente ao governo
por este não chicotear os pobres , esse mercado tem um avô: o mercado de
escravos.
“Capital” vem de um termo latino que significa “cabeça”,
porém uma cabeça que parece ser oca por dentro, que no lugar de
cérebro tem apenas uma ideia fixa: juros, juros, juros...
O Capital é uma cabeça desconectada
de braços que produzem e trabalham, embora digam que o Mercado
possui “mão”, porém é uma “mão invisível” que apenas sabe contar dinheiro, e
nunca se estende para apertar a mão e socorrer gente de carne e
osso.
O Capital não é o metal da moeda, tampouco o papel de que é
feita a nota. O Capital é apenas o número abstrato que está na moeda e no
papel, ele não é autêntica riqueza.
Pois riqueza de verdade é o níquel de que é feito a moeda,
níquel que veio do seio da terra; riqueza é o papel de que é feita a nota,
papel cuja origem são as florestas.
“Política” vem de “pólis”. Costuma-se traduzir essa palavra
por “cidade” ( “Petrópolis”: “cidade das pedras”). Mas pólis também é
“organização”: tal como em “própolis”, “a favor da organização”, pois a colmeia
é uma organização, um “organismo vivo”.
A economia e o Mercado são partes da organização social ,
eles não são os donos e nem os senhores dela, embora pareça
existir neles a nostalgia atávica da Casa-grande...
Por isso, a economia deve ser sempre vista sob a ideia de
uma “economia política”, cujos afetos catalizadores devem ser a justiça, a
dignidade, a igualdade, enfim, afetos sociais de solidariedade e empatia .
São inadequadas expressões tais como "capital
cognitivo", "capital afetivo", "capital simbólico",
expressões sempre na boca dos atuais "influencers midiáticos"...O “Capital”
tem por lógica a acumulação e a
exclusão, ao passo que o pensamento e o afeto , quando emancipadores, são potências produtivas da cooperação, da
partilha e da generosidade.
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