A filosofia estabeleceu alguns cânones para averiguar como as ideias se
relacionam entre si, umas com as outras. O Deducionismo, por exemplo, acredita
que uma ideia é sempre extraída de outra ideia. “Deduzir” significa “extrair”.Para
que se possa extrair uma ideia, é preciso que uma primeira ideia seja dada como
verdadeira e fundamento da dedução. Se esta ideia também foi extraída de outra,
então ela não é verdadeiramente a primeira, ela é derivada de uma outra. É por
isso que o processo não pode ir ao infinito: é preciso uma primeira Ideia como ponto fundante de
toda a cadeia dedutiva, sendo que esta primeira ideia, da qual todas são
extraídas, não é extraída de nenhuma outra que lhe seja mais eminente ou
anterior ( do ponto de vista lógico e ontológico).Esta primeira Ideia não foi produzida
ou criada: ela existe em si, idêntica a si mesma.
O Associacionismo , diferentemente, defende que toda ideia é uma associação
de ideias, umas exteriores às outras. Toda ideia é como uma palavra, cujas
letras são outras ideias. Por que as ideias se associam? Elas se associam pelas
mesmas razões que levam a se associar
tudo o que se associa, incluindo os homens: existem Princípios que
presidem a associação das ideias. O Princípio de Identidade, por exemplo, é um desses Princípios. Todavia, esses Princípios não produzem as ideias,
eles apenas fornecem as regras mediante as quais as ideias se associam. As ideias
compostas nascem das ideias simples, tal como a palavra que nasce das letras. Mas
de onde vêm as ideias simples? A resposta do associacionismo, embora conhecida,
nunca deixa de ser desconcertante: as ideias simples vêm da sensação, e esta
não é uma ideia e tampouco é um princípio. A ideia nada mais é do que uma sensação enfraquecida. As ideias
pressupõem uma desintensificação das sensações . Somente algo não vem da experiência: o espírito. Todavia, não se deve confundir o
espírito com o ego ou com o sujeito constituído, pois ego e sujeito também são uma ideia composta nascida de ideias
simples enquanto sensações desintensificadas. O espírito é o que contempla/contrai
a sensação. Da contemplação nasce a ideia e da contração emergem os princípios
que regrarão as ideias, constituindo assim uma natureza humana com sua psicologia e regras de associação. Mas o espírito antecede a natureza humana , e expressa um processo onde ainda não estão separadas sensação e mente. “Contrair” é, ao mesmo tempo, “unir” e adquirir um
“hábito”. A noção de hábito implica a de uma repetição. O espírito é a
diferença que contempla a repetição da matéria. Ao contemplar o que se repete,
o espírito contrai , une, o que na natureza está separado. E é por esse
mecanismo do hábito que o espírito se põe acima do dado. O espírito não extrai a ideia da
sensação, ele simplesmente a contempla/contrai, de tal maneira que a ideia
nasce nele sem que ele a produza, uma vez que a ideia é o enfraquecimento
daquilo que ele contempla. É preciso levar em conta que a sensação não é um
objeto, ela é um processo; tampouco o espírito é um sujeito, ele também é um processo. Assim, é desse processo sensação-espírito que toda ideia nasce, e
desse processo não se pode separar aquele que contempla, o contemplado e a
contemplação. É por isso que nesse nível
não há sujeito ou objeto, embora já exista espírito e matéria: esta é
repetição e aquele é diferença que contempla esta repetição. A repetição do
contemplado é inseparável do espírito que o contempla, de tal maneira que a repetição ocorre numa região que
não se pode definir como subjetiva ou objetiva, pois está aquém destas
distinções.
Em Espinosa, as ideias sempre nascem de ideias. Sócrates definia a filosofia como maiêutica, isto é, como arte de partejar ideias. Partejar é fazer nascer, trazer ao mundo, à vida. Contudo, para que uma ideia possa ser partejada, é preciso que ela tenha sido, antes, fecundada. Na Grécia, Fecundar era a característica que expressa Eros, o Amor. Não por acaso, em Espinosa o Desejo recebe o nome de “cupiditas” : relativo a Cupido/Eros. Antes de a ideia poder ser intuída, ela já está contida dentro de outra ideia, e esta dentro de outra, e esta ainda dentro de outra...de tal maneira que todas estão dentro da Ideia de Deus que lhes é imanente, pois todas são expressões diferentes dessa mesma Ideia Infinita: Amor Infinito cujo fecundar também é Infinito .
Em Espinosa, é a intuição o
procedimento de unir cada ideia singular à Ideia da qual todas são a expressão.
E quanto mais adequadamente cada ideia singular expressa a Ideia Infinita que lhe fecundou , mais cada uma é adequadamente a ideia do corpo ao qual
ela está ligada, e mais o desejo , concernindo ao espírito e ao corpo, se torna
potência de singularização ética, política e clínica.
3 comentários:
Muito bom, obrigado Professor!!
Quando puder, poderia falar um pouquinho sobre o terceiro gênero de conhecimento em Espinosa?
Muito bom, obrigado professor!!
Quando puder, poderia escrever sobre o terceiro gênero de conhecimento em Espinosa?
Obrigado, Fábio.
Farei em breve, abraços.
Postar um comentário