sábado, 25 de maio de 2024

Van Gogh & Espinosa : singularidades...

 

Inspirando-se em Espinosa, o filósofo Deleuze distingue duas noções: indivíduo e singularidade. Indivíduo e singularidade, portanto, não são a mesma coisa.

Por exemplo, quando Van Gogh assinava  seus quadros, sua assinatura não se resumia apenas  ao nome próprio   escrito na tela. A “assinatura-Van Gogh” também são suas cores, o estilo  de suas pinceladas , seus tons, suas intensidades, ou seja, a assinatura-Van Gogh expressa uma multiplicidade de signos-ideias-afetos que Van Gogh criou, para assim conquistar uma forma de vida que nunca morre, vida essa  que se eternizou  nas  formas e cores de suas telas.

Inclusive, quando conhecemos bem essa assinatura-Van Gogh, somos capazes de reconhecer um quadro de Van Gogh de imediato, antes mesmo de lermos o nome “Van Gogh” escrito na tela.  

Enquanto o nome “Van Gogh” designa um indivíduo que viveu em determinado  lugar, em certa sociedade, durante um tempo específico que a história documenta e informa, a “assinatura-Van Gogh” expressa um acontecimento que mudou a própria arte, pela potência de vida  que esse acontecimento continha.

O indivíduo Van Gogh viveu uma vida de imensos sofrimentos, vida essa que ele pôs fim com um tiro no coração. Mas o tiro atingiu o coração do indivíduo, não o coração da singularidade-Van Gogh, pois esse coração  ainda pulsa  em sua arte.

Quando Espinosa terminou sua obra cujo título é “Ética”, ele não quis colocar seu nome nela. Espinosa viveu de modo tão autêntico , que pouco há nele de indivíduo-ego, pois ele foi   uma singularidade conectada amorosamente ao Infinito ( sem deixar de ser, quando preciso, combativo e  crítico ante os autoritarismos políticos de sua época).

A singularidade-Espinosa expressa tudo aquilo que o indivíduo Espinosa sentiu e pensou, mas que não cabia em sua vida individual, que não era   apenas de sua pessoa. É por isso que seu livro não contém apenas palavras,  nele também há percepções, ações, afetos , enfim, uma vida potentemente desperta para que despertemos também a nossa.

O nome “Espinosa” designa um indivíduo que foi excomungado, que tentaram calar e matar, que sofreu as maiores injúrias e ofensas que um indivíduo já sofreu. Mas isso não fez dele um   ressentido,  amargo ou conformado. Espinosa  nunca voltou atrás no que ensinava , jamais se vendeu ou se traiu.

Quando  lemos Espinosa, também aprendemos  como ele venceu aquelas injúrias e ignorâncias, e como  seu pensamento ainda nos é necessário nas lutas de hoje  contra as vilezas  dos seres cujos nomes nomeiam coisas inomináveis...

Espinosa diz que gostaria que quem lesse sua obra se sentisse como que “conduzido pela mão”. Isso me lembra a querida professora que me alfabetizou e , segurando/conduzindo  minha mão com afetuoso cuidado, me ensinou a assinar meu nome, singularizando-me.

Creio ser assim que também faz a mão ética de Espinosa conduzindo a mão do nosso pensamento : para aprendermos a assinar/criar   ações que , por mais simples e modestas que sejam, expressem uma conquista de potência,  emancipação e dignidade.


                                               ( “Estrada com cipreste e estrela”/ Van Gogh)



Ontem, o poeta Bob Dylan comemorou 83 anos:



Nenhum comentário: