Inspirando-se em Espinosa, o filósofo
Deleuze distingue duas noções: indivíduo e singularidade. Indivíduo e
singularidade, portanto, não são a mesma coisa.
Por exemplo, quando Van Gogh assinava seus quadros, sua assinatura não se resumia
apenas ao nome próprio escrito na tela. A “assinatura-Van Gogh”
também são suas cores, o estilo de suas
pinceladas , seus tons, suas intensidades, ou seja, a assinatura-Van Gogh
expressa uma multiplicidade de signos-ideias-afetos que Van Gogh criou, para
assim conquistar uma forma de vida que nunca morre, vida essa que se eternizou nas formas e cores de suas telas.
Inclusive, quando conhecemos bem essa
assinatura-Van Gogh, somos capazes de reconhecer um quadro de Van Gogh de
imediato, antes mesmo de lermos o nome “Van Gogh” escrito na tela.
Enquanto o nome “Van Gogh” designa um
indivíduo que viveu em determinado lugar, em certa sociedade, durante um tempo específico
que a história documenta e informa, a “assinatura-Van Gogh” expressa um
acontecimento que mudou a própria arte, pela potência de vida que esse acontecimento continha.
O indivíduo Van Gogh viveu uma vida
de imensos sofrimentos, vida essa que ele pôs fim com um tiro no coração. Mas o
tiro atingiu o coração do indivíduo, não o coração da singularidade-Van Gogh, pois
esse coração ainda pulsa em sua arte.
Quando Espinosa terminou sua obra
cujo título é “Ética”, ele não quis colocar seu nome nela. Espinosa viveu de
modo tão autêntico , que pouco há nele de indivíduo-ego, pois ele foi uma singularidade
conectada amorosamente ao Infinito ( sem deixar de ser, quando preciso, combativo
e crítico ante os autoritarismos
políticos de sua época).
A singularidade-Espinosa expressa
tudo aquilo que o indivíduo Espinosa sentiu e pensou, mas que não cabia em sua
vida individual, que não era apenas de
sua pessoa. É por isso que seu livro não contém apenas palavras, nele também há percepções, ações, afetos ,
enfim, uma vida potentemente desperta para que despertemos também a nossa.
O nome “Espinosa” designa um
indivíduo que foi excomungado, que tentaram calar e matar, que sofreu as
maiores injúrias e ofensas que um indivíduo já sofreu. Mas isso não fez dele
um ressentido, amargo ou conformado. Espinosa nunca voltou atrás no que ensinava , jamais
se vendeu ou se traiu.
Quando lemos Espinosa, também aprendemos como ele venceu aquelas injúrias e
ignorâncias, e como seu pensamento ainda
nos é necessário nas lutas de hoje contra as vilezas dos seres cujos nomes nomeiam coisas
inomináveis...
Espinosa diz que gostaria que quem
lesse sua obra se sentisse como que “conduzido pela mão”. Isso me lembra a
querida professora que me alfabetizou e , segurando/conduzindo minha mão com afetuoso cuidado, me ensinou a
assinar meu nome, singularizando-me.
Creio ser assim que também faz a mão ética
de Espinosa conduzindo a mão do nosso pensamento : para aprendermos a assinar/criar
ações que , por mais simples e modestas que
sejam, expressem uma conquista de potência, emancipação e dignidade.
Ontem, o poeta Bob Dylan comemorou 83 anos:
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