domingo, 22 de janeiro de 2023

semente, fonte e criança

 

“Ancestral” não significa aquilo que está no passado e passou. Ancestral significa: “o que já estava aqui”, e que deve dar sentido ao nosso aqui e agora construtor do amanhã.

O ancestral já estava aqui e continua existindo  naquilo que nasceu dele: a semente é a ancestral da árvore, a fonte é a ancestral do rio, a criança  é a ancestral do adulto. Não existiriam árvore, rio e adulto se não existissem semente , fonte e criança.

 A ancestralidade da semente se renova no fruto que a árvore gera, a ancestralidade da fonte revive na sede que a água do rio mata, a ancestralidade da criança renasce em cada criança nova que vem ao mundo ( seja a criança literal , seja o devir-criança que o poeta reinventa em seus versos).

Os povos da Europa não são  nossos ancestrais,  nossos ancestrais são os povos originários que já estavam aqui e que aqui continuam : no nosso corpo, na nossa cultura , na nossa linguagem .

Na raiz  da palavra “genocídio” está a palavra “gens”. Dessa palavra também vêm “gente” e “gênese”. O genocídio é um crime contra gentes . No caso do Brasil atual , o genocídio contra os indígenas é um crime contra nossa ancestralidade, contra nossa gênese.

Nesse momento, só na Amazônia há mais de 100 grupos teológicos-políticos cúmplices do miliciano tentando “evangelizar” à força os povos da floresta. “Genocídio” é quando um povo extermina  com violência física ( incluindo a violência da  fome e das doenças)  a existência de outro povo. Mas quando exploradores teomilicianos  tentam roubar  a alma do outro povo  para engordar rebanhos e explorar dízimos,  essa violência na alma se chama “etnocídio”.

O miliciano e seus cúmplices  pregam :"Os indígenas querem viver como nós". E a voz  ancestral que vive em nós se indigna e pergunta: “ 'Nós' quem, cara-pálida?"

Muitos brasileiros têm antepassados na Europa, e assim buscam a dupla nacionalidade. Mas o Brasil enquanto Mátria tem nos povos originários a sua ancestralidade. Nenhum povo tem dupla ancestralidade, pois a ancestralidade é sempre única e primeira: a ancestralidade tem primazia sobre a ideia de pátria e nacionalidade.

O miliciano costumava dizer que “as minorias devem se submeter à maioria”. Para justificar seus impulsos genocidas, ele colocava os povos originários como minoria. Mas nossos  povos originários  não são minoria, eles estão na nossa gênese e no nosso valor enquanto gente.

Por isso, o genocídio não é só contra os povos originários, ele também é contra a gente enquanto parte da  humanidade em contraposição à barbárie .  É  como  um criminoso  contra a humanidade que o genocida deve ser denunciado. 

( parte do escrevi se inspira neste  novo e necessário  livro de Krenak)





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