A imitação é um dos comportamentos
mais singulares que podemos observar entre os seres vivos. O filhote de
passarinho, ainda no ninho, aprende a voar imitando seus genitores; o pequeno
leãozinho aprende a ser leão imitando seus pais. Pois imitar é a forma primeira
de aprender : não só aprender a se comportar desta ou daquela maneira, mas
aprender a ser aquilo que se é.
A arte também é prática de imitação
(mímesis): quando um pintor pinta uma
maçã, a maçã pintada imita a maçã real; quando o escultor esculpe uma estátua
de Sócrates , a escultura imita Sócrates .
Quando um músico compõe uma música
sem palavras, a música também imita. A música não imita mediante a criação de
uma imagem icônica, como na pintura e na escultura; a música imita por
intermédio do ritmo. O que a música imita? Ela imita os afetos.
Como o afeto não tem uma figura
visível , tal como Sócrates o tem, toda
imitação musical de um afeto na verdade
o recria. É por isso que a música também pode ser uma terapêutica clínica:
ouvindo a música, nós mesmos nos ouvimos através do afeto que sentimos.
Ouvindo a música,
imitamos o ritmo dela a partir do ritmo do nosso corpo, incluindo os ritmos respiratórios e cardíacos. A música nos ensina que somos
ritmos que imitam ritmos maiores: Pitágoras dizia que o universo é música
composta pelo ritmo dos astros.
Mas há duas formas de imitação: a
servil e a criativa. Na imitação servil aquele que imita anula
sua diferença própria para assim ser a cópia servil de um modelo.
Quem tem a propensão a imitar servilmente
se submete a qualquer modelo , mesmo que o imitado seja um ser abominável .
Quando muitos imitam servilmente um crápula tornado modelo, surgem os rebanhos
fanáticos que pouco valor dão à vida, uma vez que pouco valor dão a si mesmos.
Porém há também a imitação criativa. Nela,
a imitação é atividade para descobrir e potencializar a própria potência-ritmo,
dado que o imitado é criado para favorecer agenciamentos para singularização de
ritmos.
As ideias que emancipam e educam são
assim: conhecê-las é vivê-las como meios que potencializam nossos ritmos ,
maneiras de ser e estilos. Aprender , ensinar, partilhar, empatizar, amar... são composições de ritmos.
A própria sociedade também possui
seus ritmos: a democracia é um ritmo social que protege e estimula os ritmos
heterogêneos. Já a tirania é a tentativa de impor comportamentos mecanizados
segundo a lógica do rebanho “mesmal” .
Por isso, não podemos deixar que as
forças destrutivas que agem em torno
nos produzam movimentos internos que nos ponham sob riscos, pois tristeza,
medo e apatia são enfraquecimentos dos
nossos ritmos.
Mas com nossos ritmos potencializados,
aprendemos a agir sobre o mundo externo sem violentar nossos ritmos.
Na foto, é a menina, e não a pintura,
a maior obra de arte. Ela não copia servilmente, ela interpreta a partir do seu
ritmo, e assim se autodescobre brincativamente e afirma seu estilo:
autonomiza-se.
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