sexta-feira, 26 de agosto de 2022

a imitagem...

 

Em seu sentido primeiro, “musa” significa : “conhecimento que nasce das artes”. Os poetas-pensadores  originários  evocavam as Musas para auxiliá-los na tarefa de manter sempre viva a lembrança do que nos potencializa e liberta.

Assim, o conhecimento que as  Musas despertam não é só intelecto ou razão, ele é  também recordação enquanto “re-cordis” : “trazer de novo ao coração”  os  afetos que fortalecem a vida. Quando a recordação se torna ação, nasce a coragem :“força que vem do coração”.

As Musas são filhas de Zeus , divindade ligada à justiça e à ética, com Mnemósyne, Deusa da Memória. Mnemósyne não simboliza a memória pessoal, mas a memória em sua dimensão social-histórica, enquanto registro dos acontecimentos nos quais a vida triunfou sobre seus carrascos.

 Zeus uniu-se a Mnemósyne após uma luta  vencida por ele e seus aliados contra as forças da ignorância e da barbárie , tanto as  físicas como as simbólicas. Esse matrimônio era para co-memorar: “criar memória” da vitória das ideias e valores sobre a força bruta.

Como  a barbárie e a ignorância  às vezes ressurgem  do  bueiro onde se escondem , reaparecendo ao longo da história com nomes diferentes (nazismo, fascismo,  necropolítica, milicianato...), é preciso manter viva a memória de que podemos vencer essas forças reativas do atraso, pois dessa lembrança também depende a criação do nosso próprio futuro aqui e agora, com coragem.

Segundo o poeta Manoel de Barros, todo ato criativo é uma “imitagem". A imitagem não é um tornar-se mera cópia passiva de um Modelo ou Padrão. Ao contrário, a imitagem é a produção de uma diferença criativa.

Na singela foto , vemos a bailarina cujo  gesto foi   imortalizado como escultura. Na menina, esse gesto renasce e ganha vida, torna-se outro. A arte renasce em seu corpo, em seu jeito: a criança interpreta, dançando, o que é dançar , reinventando o dançar à sua maneira.

Em toda imitagem há a aprendizagem   da própria diferença que se é. Diferença que autonomiza e singulariza nunca  é negação do outro ,  mas a expressão de uma liberdade que potencializa um agenciamento, um encontro.  Nesse encontro, a menina ao mesmo tempo aprende e ensina. Em sua imitagem, é a menina, e não a escultura, a obra de maior arte.

Que a pequenina Musa, em sua inocência brincativa, nos ajude a não esquecer o que precisa ser sempre lembrado: que a vida é conhecimento , arte , coragem e  liberdade, e que isso nos dê forças ante o obscurantismo e a  barbárie.

 

  

“Às vezes começa-se a brincar de pensar,

e eis que inesperadamente o brinquedo é que começa a brincar conosco.”

( Clarice Lispector)

 

 "Minha poesia não tem função explicativa, só brincativa."(Manoel de Barros)

   

"Nesta vida,

 pode-se aprender três coisas de uma criança:

 estar sempre alegre,

 nunca ficar inativo

 e chorar com força por tudo o que se quer."

(Leminski)




 




Um comentário:

cauepizindim disse...

Um verso dessa música resumiria a estética do texto?
...entre os dentes, segura a primavera...