sábado, 13 de agosto de 2022

urdiduras e tramas

 

Os filósofos e poetas gregos falavam do “Destino”. Na mitologia ,  o Destino era representado por três sinistras irmãs : as Moiras. Elas eram cegas, porém  tinham à mão um estranho olho de vidro com dom de ver passado, presente e  futuro. Esse olho é o tataravô das “bolas de cristal”  nas quais  se crê antever o curso da vida.

Uma das Moiras puxava o fio da vida, outra o esticava, enquanto a terceira o cortava rindo e zombando , como se cortar o fio da vida  fosse uma diversão macabra. Com o fio, as Moiras fabricavam uma “ordo”, uma “urdidura” ,  isto é, uma “Ordem” da qual ninguém conseguia escapar. A “ordo/urdidura”  era feita com linhas retas na horizontal e na vertical, como as grades de uma prisão.

Muito diferente era o fio de Ariadne: fio do Afeto, fio da Arte. Enquanto o fio das Moiras estava preso a uma roda ( a “Roda da Fortuna”), o fio de Ariadne era puxado   de um novelo, e assim libertado  . Quanto mais se confia nesse fio, menos as Moiras conseguem cortá-lo.

“Con-fiar”: “fiar junto”, pois fia junto quem tece novos elos  (“novelo”: “novo elo”). O fio de Ariadne é puxado de uma potencialidade que se desdobra em novos elos a serem tecidos e ousados.

Enquanto o fio das Moiras é “ordo”, “Ordem”, o fio de Ariadne é meio para tecer tramas. A trama é feita de linhas transversais formando curvas , desvios, “clinâmens”, espirais...Toda trama borda    uma linha de fuga que afirma a liberdade a despeito da malha férrea das Ordens Sinistras.

As Moiras  puxavam o fio , o esticavam , para depois cortá-lo. Elas eram incapazes de bordar, pois bordar é tecitura da arte enquanto força que estende ao máximo o fio da vida, vencendo  aqueles que o querem cortar.

Toda bordadura parte de uma Ordo/Ordem, porém lhe acrescenta tramas criadoras de caminhos que nos fazem transpassar  grades  (físicas ou simbólicas).

A gramática é urdidura , mas trama é a poesia; urdidura é a família,  porém trama é o amor; cartilhas são urdiduras, mas pensar é trama que confia em sua força libertária.

As Moiras  cobriram Bispo do Rosário com  lençóis que mais pareciam mortalhas , porém Bispo do Rosário desfez o fio dessas grades  e com ele bordou sua  linha de fuga sob a forma de manto e asas.

Apesar da  “Moira da exclusão social” que o urdiu louco,  Bispo do Rosário teceu  sua transversal, e assim tramou sua criativa  lucidez como fuga da  normalidade  reta dos que pensam igual.

Embora toda trama parta de uma urdidura, nenhuma urdidura pode determinar que trama se inventará a partir dela.

 

“A reta é uma curva que não sonha.” (Manoel de Barros)

 

“Não há linha reta, nem nas coisas e nem na linguagem.” (Deleuze)

 

“Quero descrever o voo de um pássaro

escrevendo com a pena de uma asa.” (Guimarães Rosa)

 

(foto:  aberto, o manto  se torna  asas multicoloridas de uma borboleta nascida de uma metamorfose)



 











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