O filme “Um dia muito especial” ,
obra-prima de Ettore Scola, mostra a visita que Hitler fez a Mussolini no dia 6
de maio de 1938. O nazista e o fascista articulavam para começar a hedionda guerra.
A macropolítica ensinada nos livros
de história é feita de milênios, séculos , anos. Mas a micropolítica se revela
no âmbito dos dias , das horas...
É sob o sufocante pano fundo macropolítico do nazifascismo que acontece no filme um encontro singular e
humanamente rico entre uma mulher ( Sophia Loren), reprimida
por seu marido machista e fascista, e seu vizinho ( Marcello Mastroianni) , um
homoafetivo que também era perseguido no trabalho e pela vizinhança por sua
condição homoafetiva.
Entre eles nasce mais do que uma
amizade, nasce a compreensão de que a política também é uma questão de afetos ,
e que o poder autoritário aumenta sua nefasta
força nos entristecendo, tolhendo ,culpabilizando,
enfim, nos adoecendo.
Sob a macropolítica do poder
nazifascista, são construídas entre ambos pequenas linhas de fuga
micropolíticas como resistência político-afetiva ante as diferentes faces da cabeça autoritária que os ameaçava e
perseguia, em casa e nas ruas.
A face macropolítica do nazifascismo,
identificada aos rostos de Hitler e Mussolini, a história nos mostra seus
trágicos contornos. Porém, a face micropolítica do nazifascismo é ainda mais
triste porque ela se revela nas pessoas aparentemente “normais” e “comuns”,
muitas vezes autointituladas “pessoas de bem” , que emprestam seus rostos para
que a intolerância e a ignorância tenham uma cara persecutória e capilarmente
inserida no tecido social cotidiano.
Enquanto Hitler e Mussolini
desfilavam de mãos dadas fardados e armados pelas ruas , parte incauta do povo
comemorava indo atrás deles,
ignorando que aquele desfile militar-autoritário
era na verdade um cortejo fúnebre encabeçado pelos carrascos nazifascistas da democracia.
E o mais assustador quando assistimos ao filme é constatarmos que as
pessoas que comemoravam a aliança daqueles carrascos e os aplaudiam nos lembram
muito certos vizinhos que temos hoje, formando um
servil coro junto com aqueles que ainda idolatram
o aprendiz de fascista naquele cercadinho em Brasília para gado aferroado.
No filme, a única atmosfera humana acontece
quando a mulher e seu amigo homoafetivo se encontram. Curiosamente, seus dramas
também nos lembram os nossos, suas questões também soam mais do que
contemporâneas , suas angústias parecem as que hoje sofremos...E é na arte que
eles encontram um meio para se curarem, respirarem e manterem viva uma
perseverante alegria de que aquele terror um dia vai passar.
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