sexta-feira, 19 de agosto de 2022

um dia muito especial

 

O filme “Um dia muito especial” , obra-prima de Ettore Scola, mostra a visita que Hitler fez a Mussolini no dia 6 de maio de 1938. O nazista e o fascista articulavam para começar a hedionda guerra.

A macropolítica ensinada nos livros de história é feita de milênios, séculos , anos. Mas a micropolítica se revela no âmbito dos dias , das horas...

É sob o sufocante pano  fundo macropolítico do nazifascismo  que  acontece no filme um encontro singular e humanamente rico   entre uma mulher ( Sophia Loren), reprimida por seu marido machista e fascista, e seu vizinho ( Marcello Mastroianni) , um homoafetivo que também era perseguido no trabalho e pela vizinhança por sua condição homoafetiva.

Entre eles nasce mais do que uma amizade, nasce a compreensão de que a política também é uma questão de afetos , e que o  poder autoritário aumenta  sua  nefasta força    nos entristecendo, tolhendo ,culpabilizando, enfim, nos adoecendo.  

Sob a macropolítica do poder nazifascista, são construídas entre ambos pequenas linhas de fuga micropolíticas como resistência político-afetiva ante as diferentes  faces da cabeça autoritária que os ameaçava e perseguia, em casa e nas ruas.

A face macropolítica do nazifascismo, identificada aos rostos de Hitler e Mussolini, a história nos mostra seus trágicos contornos. Porém, a face micropolítica do nazifascismo é ainda mais triste porque ela se revela nas pessoas aparentemente “normais” e “comuns”, muitas vezes autointituladas “pessoas de bem” , que emprestam seus rostos para que a intolerância e a ignorância tenham uma cara persecutória e capilarmente inserida no tecido social cotidiano.

Enquanto Hitler e Mussolini desfilavam de mãos dadas fardados e armados  pelas ruas , parte incauta do povo comemorava  indo atrás deles, ignorando  que aquele desfile militar-autoritário  era na verdade um cortejo fúnebre  encabeçado pelos  carrascos nazifascistas da democracia.

 E o mais assustador  quando assistimos ao filme é constatarmos que as pessoas que comemoravam a aliança daqueles carrascos e os aplaudiam nos lembram muito certos vizinhos que temos hoje, formando   um servil coro junto com aqueles  que ainda idolatram o aprendiz de fascista naquele cercadinho em Brasília para gado aferroado.

 No filme, a única atmosfera humana acontece quando a mulher e seu amigo homoafetivo se encontram. Curiosamente, seus dramas também nos lembram os nossos, suas questões também soam mais do que contemporâneas , suas angústias parecem as que hoje sofremos...E é na arte que eles encontram um meio para se curarem, respirarem e manterem viva uma perseverante alegria de que aquele terror um dia vai passar.






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