CAETANO : 80 ANOS. UMA PEQUENA
HOMENAGEM AO POETA.
Eu tinha cerca de 12 anos , cursava o
antigo ginásio. Era uma época difícil, sufocante...A ditadura militar censurava quem pensasse
diferente do poder autoritário dominante.
Ainda criança, eu sentia que o mundo dos homens estava errado ,
mas eu não encontrava nos livros lições que dissessem isso, pois pensar estava
proibido.
Àquela época, a escola não era um
espaço de descobertas : a ditadura controlava tudo, e usava cartilhas e
tabuadas como meios de adestramento.
Poesia e literatura? Só eram aceitos
os parnasianos, como aquele poeta elitista autor do Hino Nacional que a gente
não entendia nada da letra , porém nos
obrigavam a cantar em posição militar, rigidamente, batendo continência
para a bandeira, como se ela fosse um general sisudo sobre o Monte Parnaso.
Até que chegou à escola uma
professora nova de língua e literatura. Tudo nela era diferente. Foi a primeira
vez que entendi de verdade o que era uma educadora e tudo o que a arte pode em
termos de (auto)descoberta .
Em vez de adotar livros parnasianos
para a gente decorar palavras que a gente não entendia, palavras mortas que
nada nos diziam a não ser: “obedeçam!”, ela adotou um livro diferente, revolucionário
de mentes. O livro trazia letras de música
dos Festivais da Canção acontecidos recentemente. Eram letras que faziam
sentir e pensar.
Foi nesse livro que conheci a letra
de canções como "Janelas abertas nº
2" (Caetano) e "Construção" (Chico), antes de
ouvi-las tempos depois na voz dos
cantores e cantoras.
Canções assim eram censuradas pelos sisudos milicos,
que sempre me pareceram um tipo de ser que detesta música que faz a gente
cantar junto. Os milicos diziam , em tom
de ameaça, que músicas assim eram
"subversivas" ( e eu, até ali, não entendia muito bem o que
significava "subversivo"...).
Então, foi como poesia que conheci essas
letras. Na primeira vez que li essas letras-poemas naquela sala de aula de uma
escola pública no subúrbio carioca, graças à resistência perseverante de minha
querida professora, dentro de minha
cabeça aconteceu o que Deleuze chama de "noochoque" : um
"choque de pensamento", e assim “me empoemei”, como ensina Manoel de
Barros.
Foi a primeira vez que experimentei
o que é ler, pois ler é ler-se, e assim me alfabetizava politicamente.
Foi a partir de então que a minha
"pequena voz interior" , que ficava muda imaginando-se sozinha naquele mundo de gente autoritária ,
essa minha voz encontrou na voz poética e pensante daquelas músicas o sentido e
a força para cantar junto.
Pois quando os autoritários de ontem e de hoje
nos querem calar, nada mais subversivo do que cantar junto.
“Descanse
tranquilo onde cantam,
os maus não cantam. ” (Schiller)
“Poesia é subversão da linguagem.” (Manoel de
Barros)
"O que vemos não é o que vemos,
senão o que somos."( Fernando Pessoa)
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