sábado, 6 de agosto de 2022

caetano: 80 anos

 

CAETANO : 80 ANOS. UMA PEQUENA HOMENAGEM AO POETA.

 

Eu tinha cerca de 12 anos , cursava o antigo ginásio. Era uma época difícil, sufocante...A  ditadura militar censurava quem pensasse diferente do poder autoritário dominante.

Ainda criança, eu  sentia que o mundo dos homens estava errado , mas eu não encontrava nos livros lições que dissessem isso, pois pensar estava proibido. 

Àquela época, a escola não era um espaço de descobertas : a ditadura controlava tudo, e usava  cartilhas e   tabuadas como meios de adestramento.

Poesia e literatura? Só eram aceitos os parnasianos, como aquele poeta elitista autor do Hino Nacional que a gente não entendia  nada da letra , porém nos obrigavam  a cantar em posição  militar, rigidamente, batendo continência para a bandeira, como se ela fosse um general sisudo sobre o Monte Parnaso.

Até que chegou à escola uma professora nova de língua e literatura. Tudo nela era diferente. Foi a primeira vez que entendi de verdade o que era uma educadora e tudo o que a arte pode em termos de (auto)descoberta .

Em vez de adotar livros parnasianos para a gente decorar palavras que a gente não entendia, palavras mortas que nada nos diziam a não ser: “obedeçam!”, ela adotou um livro diferente, revolucionário de mentes. O livro trazia letras de música  dos Festivais da Canção acontecidos recentemente. Eram letras que faziam sentir e pensar.

Foi nesse livro que conheci a letra de canções  como "Janelas abertas nº 2" (Caetano) e   "Construção" (Chico), antes de ouvi-las  tempos depois na voz dos cantores e cantoras.

Canções   assim eram censuradas pelos sisudos milicos, que sempre me pareceram um tipo de ser que detesta música que faz a gente cantar junto.  Os milicos diziam , em tom de ameaça, que músicas assim  eram "subversivas" ( e eu, até ali, não entendia muito bem o que significava "subversivo"...).

 Então, foi como poesia que conheci essas letras. Na primeira vez que li essas letras-poemas naquela sala de aula de uma escola pública no subúrbio carioca, graças à resistência perseverante de minha querida professora, dentro de minha  cabeça aconteceu o que Deleuze chama de "noochoque" : um "choque de pensamento", e assim “me empoemei”, como ensina Manoel de Barros.

Foi a primeira vez que  experimentei  o que é ler, pois ler é ler-se, e assim me alfabetizava politicamente.

Foi a partir de então que a minha "pequena voz interior" , que ficava muda imaginando-se  sozinha naquele mundo de gente autoritária , essa minha voz encontrou na voz poética e pensante daquelas músicas o sentido e a força para cantar junto.

 Pois quando os autoritários de ontem e de hoje nos querem calar, nada mais subversivo do que cantar junto.

 

  

 “Descanse  tranquilo onde cantam,

   os maus não cantam. ” (Schiller)

 

 “Poesia é subversão da linguagem.” (Manoel de Barros)

 

"O que vemos não é o que vemos, senão o que somos."( Fernando Pessoa)


































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