No filme “Sonhos”, de Kurosawa, há
uma cena em que uma criança chora porque um jardim de pessegueiros foi
derrubado.
Então, perguntam a ela se o choro
dela era devido a não poder mais comer
os pêssegos, ou seja, se o choro era motivado pelo interesse nos frutos, nos pêssegos.
A
criança responde mais ou menos assim: “Eu não estou chorando pelos
pêssegos , pois pêssegos podem ser comprados em quantidades no mercado . Eu choro porque nunca mais vou poder ver a
floração dos pessegueiros: a floração é única e
não se mede em dinheiro, nem se vende no mercado...”.
De repente, ainda chorando, a criança
vê algo colorido num canto daquele jardim desolado. Ela chega perto para ver o que é: do tronco de
um pessegueiro cortado e violentado, a
vida ali resistiu e perseverava , pois pequenos embriões de floração novamente
brotaram.
Então, como se tivesse ganho o mais
desejado dos presentes, a criança enxuga
as lágrimas e sorri.
O pêssego é colhido com as mãos, ao
passo que a floração é para ser colhida com os olhos, para que o próprio ver
nos olhos floresça, e enxergue mais do que o mero dado.
O pêssego é o produto de uma criação,
já a floração é a arte que torna indistintos o artista e sua obra ainda em
processo e brotando dele mesmo, em
generosa doação.
O pêssego mata a fome do estômago,
mas a floração mata outro tipo de
fome: fome de arte, de poesia e de
criação.
As ideias são como os pêssegos, porém
pensar é floração da mente unida ao corpo.
A liberdade não é um fruto pronto que
podemos colher, a liberdade é floração
concreta no aqui e agora, como ato libertário
fazendo-se.
Há os que cobiçam os pêssegos apenas para pôr neles um preço e
vendê-los no mercado, reduzindo os pêssegos a meros meios para se acumular capital, poder e dinheiro.
Mas há os que veem riqueza na
floração dos seres, uma riqueza que não se mede em dinheiro, pois é uma riqueza
que se cultiva com a arte, a filosofia, a cultura e a educação.
Porém , é preciso cuidar dessa
floração e agir para que ela sempre aconteça , pois odeiam essa floração, e
sempre a ameaçam, os ceifadores e destruidores de jardins.
"Poesia é florescer pelos
olhos." (Manoel de Barros)
( imagem: “Pessegueiros em flor”/ Van
Gogh)
2 comentários:
O catador de otimismos
(robertomarques)11.12.21
Era uma vez um catador de otimismos... ele puxava atrás de si um burro com uma cangalha carregada. A cada tropeço em seu caminhar o burro deixava cair algo da carga. Não que se perdesse o que caía, posto que nem o catador nem o burro sabiam dar destinação ao que levavam, sequer para onde ou para quem levavam. Apenas carregavam o que era recolhido no caminho.
Espantosamente, a carga desde sempre e cada vez mais seguia leve. Ia cheia a cangalha...de esperanças.
A carregar a cangalha com tudo quanto fora recolhido, o catador puxava o burro.
Sem que um ou outro soubesse a quem entregariam tantas esperanças, o catador prosseguia na jornada acumuladora...sua riqueza era medida pelo valor de uso do que levava consigo.
Esperanças são certezas de bem desejado, não há esperança de mal. Por isso, elas são levezas que qualquer brisa mais suave pode soprar pelas vidas mundo afora. Uma leveza sem lastro se transforma em otimismo e o vento leva.
O catador de esperanças (perdidas ou abandonadas) as recolhia para reciclá-las algum dia. Então, essa era sua melhor esperança...
Obrigada professor Elton, pela gentileza, em nos presentear ....
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