quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

manoel e o pote


No poema "Aventura", o personagem é um pote que Manoel de Barros encontra jogado fora de "barriga vazia para cima". Nesse estado de abandono o pote continha apenas o vazio.  Não faz muito tempo esse pote deve ter sido    o centro das atenções: todos ficavam felizes com  sua presença e   o queriam perto. Ele despertava olhares cobiçosos  que   viam nele uma promessa de prazer e felicidade.  Ele assim era tratado por guardar algo que despertava  um imediatista interesse:  ele era um pote cheio de sorvete... E  assim o pote se iludia imaginando que o queriam por aquilo  que ele era  e não pela coisa  que ele temporariamente guardava.  Tamanha deve ser a dor que ele  sente agora, abandonado . Rejeitado pelos  homens,  apenas a natureza  quis o pote. A natureza nunca despreza: ela recebe e regenera, preenche vazios -  disso também  já sabia Espinosa. “Inútil”,  o pote já não servia para nada, a não ser para metamorfoses, pois é isto que a natureza produz em tudo aquilo que, ao receber os cuidados dela ,  sofre um contágio, uma comunhão: "depois desse desmanche em natureza, as latas podem até namorar com as borboletas", pressagiou o poeta.
Tempos depois, o poeta teve que passar pelo mesmo lugar ermo. Lembrou do pote e se preparou para rever aquela imagem triste do sofrimento. Porém, nesse intervalo de tempo , sem que o poeta soubesse, um passarinho passou voando “atoamente” sobre o pote e cuspiu uma semente em seu ventre vazio. Ali já havia areia e cisco  que a natureza depositou. “as chuvas e os ventos deram à gravidez do pote forças de parir". E onde antes crescia o vazio,  um poema vivo  milagrou:  do  ventre do pote   um pé de rosas desabrochou... ”Se a gente não der o amor ele apodrece dentro de nós”, agradeceu o poeta ao pote por essa lição que dele recebeu  sob a forma de rosas. Pois repleto estava  o pote agora com a beleza que se oferta sem nada pedir em troca .
                                                                                                                                                     
“Quando uma  ideia nos fecunda , também sofremos  angústia de parto  ” (Plotino)






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