sábado, 2 de fevereiro de 2019

espinosa e o direito de resistência


“Poder” não é a mesma coisa que “potência”. Foi pensando nessa diferença que Espinosa, por exemplo, definiu e defendeu  a democracia. Em latim, “potência” é “potentia”, ao passo que “poder” é “potestas”. Em palavras  simples, “potência” é a capacidade de realizar ou fazer algo, já o poder , a potestas, é essa capacidade sendo exercida em ato. O professor tem a potência de ensinar, mesmo estando em casa. É quando ele está em sala, no encontro com os alunos, que ele exerce isso que ele pode: nasce a potestas, o poder,  como expressão de uma potência. É da potência  que nasce todo poder. O poder do professor só é de fato poder, e não apenas autoritarismo, se o poder que ele exerce  auxiliar no aumento da potência de compreensão emancipadora dos alunos.  O cidadão tem a potência de governar. Essa potência virou poder democrático efetivo em certas experiências históricas de democracia direta.  Hoje,  embora tenhamos a potência  de governar, não temos o poder: delegamos esse poder a outro - o prefeito, o presidente, etc. Ou seja, na democracia representativa somos separados daquilo que podemos.  A diferença entre potência  e poder fica mais clara  quando se trata de duas potências  essenciais : existir e pensar. Essas potências são indelegáveis, elas nunca podem ser transferidas do “múltiplo” para o “um”. Por isso, este “um”, o governo,  nunca pode se voltar contra o múltiplo de onde nasceu querendo impor o seu “um”. São as potências múltiplas  de existir e pensar que demarcam o limite até onde pode ir um governo: se ele transpuser  essa linha imaginando que  pode determinar como devemos existir e pensar, já não é governo, mas um poder que põe em risco a própria sociedade da qual ele nasceu. Numa autêntica democracia, as  potências singulares podem agenciar-se e instituírem , por direito, determinado poder. Mas elas também podem, pelo mesmo direito , resistir a todo poder  que  ameace sua existência e queira censurar o livre pensar, sem o qual não há educação, apenas adestramento. Espinosa chama de  “Direito de Resistência”  ao próprio pensar  agindo para defender  a si mesmo e a pluralidade da existência . Não apenas greves, passeatas e mobilizações expressam  esse Direito, também podem expressá-lo poemas, artes, aulas... e tudo aquilo que em nós se recusa a se deixar matar  ou  a viver  morto.

“ O homem livre  nunca termina de esculpir sua própria estátua, pois a arte viva não está na pedra enfim moldada, mas no ato de fazer-se que nunca termina.” (Plotino)  



Nenhum comentário: