“Poder” não é a
mesma coisa que “potência”. Foi pensando nessa diferença que Espinosa, por
exemplo, definiu e defendeu a
democracia. Em latim, “potência” é “potentia”, ao passo que “poder” é
“potestas”. Em palavras simples,
“potência” é a capacidade de realizar ou fazer algo, já o poder , a potestas, é
essa capacidade sendo exercida em ato. O professor tem a potência de ensinar,
mesmo estando em casa. É quando ele está em sala, no encontro com os alunos,
que ele exerce isso que ele pode: nasce a potestas, o poder, como expressão de uma potência. É da
potência que nasce todo poder. O poder
do professor só é de fato poder, e não apenas autoritarismo, se o poder que ele
exerce auxiliar no aumento da potência
de compreensão emancipadora dos alunos. O
cidadão tem a potência de governar. Essa potência virou poder democrático
efetivo em certas experiências históricas de democracia direta. Hoje, embora
tenhamos a potência de governar, não
temos o poder: delegamos esse poder a outro - o prefeito, o presidente, etc. Ou
seja, na democracia representativa somos separados daquilo que podemos. A diferença entre potência e poder fica mais clara quando se trata de duas potências essenciais : existir e pensar. Essas potências
são indelegáveis, elas nunca podem ser transferidas do “múltiplo” para o “um”.
Por isso, este “um”, o governo, nunca
pode se voltar contra o múltiplo de onde nasceu querendo impor o seu “um”. São
as potências múltiplas de existir e
pensar que demarcam o limite até onde pode ir um governo: se ele transpuser essa
linha imaginando que pode determinar
como devemos existir e pensar, já não é governo, mas um poder que põe em risco
a própria sociedade da qual ele nasceu. Numa autêntica democracia, as potências singulares podem agenciar-se e
instituírem , por direito, determinado poder. Mas elas também podem, pelo mesmo
direito , resistir a todo poder que ameace sua existência e queira censurar o
livre pensar, sem o qual não há educação, apenas adestramento. Espinosa chama
de “Direito de Resistência” ao próprio pensar agindo para defender a si mesmo e a pluralidade da existência .
Não apenas greves, passeatas e mobilizações expressam esse Direito, também podem expressá-lo poemas,
artes, aulas... e tudo aquilo que em nós se recusa a se deixar matar ou a
viver morto.
“ O homem livre nunca termina de esculpir sua própria
estátua, pois a arte viva não está na pedra enfim moldada, mas no ato de
fazer-se que nunca termina.” (Plotino)
Nenhum comentário:
Postar um comentário