sábado, 29 de dezembro de 2018

o antídoto


Quando eu era criança, bem criança, meus pais eram pobres, porém podiam me dar de presente carrinhos simples nessas épocas de  natal  e fim de ano . Eu recebia tais brinquedos e os guardava,  agradecido. Mas esses brinquedos e outros  não me faziam falta, pois eu gostava mesmo era de brincar com as próprias coisas, retirando delas os sentidos acostumados . Por exemplo, gostava de pegar o chinelo de meu pai e fazer de carrinho. Como carrinho lúdico, ao chinelo não faltava nada, pois estava em meus olhos a fonte de vê-lo outra coisa diferente desta que todos viam. Nunca me fizeram falta os brinquedos, enquanto eu soube brincar com o sentido.
Quando eu era criança , portanto, havia o carrinho de brinquedo e o brinquedo que eu inventava com a própria realidade.  Brincar com o carrinho de plástico era bom, mas brincar com o chinelo feito carrinho era mais do que brincar: era ato poético-político, ainda que inocente,  para subverter  o sentido do que está dado. Com Manoel de Barros, aprendo a manter vivo esse devir-criança como antídoto ao viver  "mesmal" e "acostumado".



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