Uma das origens
do carnaval remonta a Dioniso, o deus das artes. Porém, a palavra “deus” não é
muito adequada para traduzir o universo poético-literário dos mitos, já que se
costuma imaginar deus como existindo antes de sua obra, e sendo dela diferente.
Na mitologia, contudo,
não havia o Amor antes de surgir Eros , também inexistia o Conhecimento antes de nascer Atena, ou as
Artes antes do aparecimento de Dioniso.
É por isso que Jean-Pierre
Vernant, um grande estudioso do assunto, prefere empregar o termo “Potência” ao abordar
os mitos, em vez da palavra “deus”.
Na filosofia, as
palavras “potência” e “possibilidade”
são primas, e ambas se opõem à ideia de “forma” ( como algo fixo e limitado). A Potência expressa a inseparabilidade entre o
artista e sua obra, a união entre arte e existência.
Assim, Eros é a Potência
do Amor . Não há uma forma única de amar: enquanto Potência , o Amor pode ser vivido e
(re)criado de mil maneiras.
Como Potência, o
Conhecimento não está apenas na forma-livro : os objetos de uma exposição também trazem a
possibilidade de aprendermos com eles.
Os romanos
chamavam Dioniso de “Baco”. Em grego, “bacchus” significa “embriaguez” .Mas antes de se
embriagar com o vinho, Dioniso já se embriagava com a água que ele bebia das
fontes, ou com o perfume que ele inalava das flores.
Quando Dioniso
era ainda criança, c4rrasc0s ressentidos o despedaçaram por v1ngança,
imaginando assim que o derrotavam.
Sabia-se que
Dioniso tinha uma metade humana e outra metade divina, uma metade mortal e
outra que nunca morria. Mas qual era a parte divina dele? Ninguém
sabia...Exceto Zeus.
Zeus pegou então
o coração de Dioniso e do coração o
partejou, pois Dioniso estava ali inteiro . Era o coração, sede da coragem perseverante
e do afeto regenerador, a
parte onde é mais potente a Vida.
Isso explica seu
nome: “Di-oniso: aquele que nasceu duas vezes”. Na primeira vez , Dioniso
nasceu chorando, como todo recém-nascido; mas no segundo nascimento Dioniso (re)nasceu em alegria pelo triunfo
sobre os c4rrascos da vida.
Essa alegria potencializava ainda mais a existência
, tal como aquela alegria ensinada por
Espinosa.
A alegria dionisíaca
era semelhante a uma embriaguez. Não a embriaguez por
excesso etílico, mas embriaguez pelo
excesso de vida transbordante . Pois a primeira das artes que Dioniso
ensina é a arte de renascer ainda mais potente quando os poderes necr0polític0s
nos querem vencidos.
Manoel de
Barros, ébrio de poesia , chama de “deslimite” a essa Potência que
não deixa morrer a vida: “Na ponta do meu lápis há apenas
nascimento”, diz o poeta de vida embriagado. Como ensina Foucault, um pouco do “ar do possível”, para não sufocarmos.
O poeta Baudelaire
traduz assim a embriaguez dionisíaca: “É preciso embriagar-se...Mas, com quê?
Com vinho, poesia ou virtude , a escolher. Mas embriaguem-se!”
(este livro é
apenas uma sugestão)
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