Certa vez, eu explicava para uma turma um poema de Fernando Pessoa. Era uma turma muito simpática e atenciosa, que sempre pedia para eu tocar nesses temas poéticos-filosóficos , apesar de não caírem na prova...rs...
Quando terminei
a narrativa, uma aluna perguntou de repente : “Professor,
qual seu signo?” Quando respondi “touro”, ela ficou incrédula, e disse com
humor : “professor, você não pode ser touro, os professores de touro gostam de
ensinar apenas coisas utilitaristas sem poesia ...rs...”
Então, ela me
pediu a data e hora do meu nascimento, incluindo os minutos, ela
queria fazer meu “mapa astral”. Como eu sabia esses detalhes, passei
a informação para ela. Na aula seguinte, ela entrou sorridente na sala e disse:
“Sabia que havia alguma coisa diferente, você é assim por causa de
seu ascendente: Aquário!”
Em homenagem
àquela turma simpática ( e a todos que , presencial ou virtualmente,
apoiam meu trabalho), elaborei um pequeno “horóscopo filosófico”, no qual o céu
sob o qual nascemos expressa a atmosfera que irradia de determinado
filósofo .
Àquela época, eu
morava perto de uma pracinha. De minha janela via as mães com seus filhinhos
nos carrinhos de bebê. Deitados dentro dos carrinhos, os bebês ficavam o tempo
todo olhando para o céu. Pensei comigo: “se tudo nos influencia,
ainda mais quando somos crianças, deve haver uma profunda influência
dessa primeira imagem do céu na alma e personalidade dos bebês”.
Assim, os que
nasceram no verão veem um céu com um sol intenso. Os bebês que
trouxerem esse sol para dentro deles se tornarão criadores-artistas
. Chamei esse céu de CÉU DE NIETZSCHE.
Os que nasceram
no inverno, ao contrário, veem um céu cinza, e assim terão que
buscar criar um sol dentro de si . Os que nascem sob esse céu
tenderão a ser mais introspectivos, buscando mais a “luz interior” . Chamei
esse céu de CÉU DE SCHOPENHAUER.
Os que nasceram
sob o céu da primavera veem um sol que é como uma grande semente que faz tudo
germinar. Os que plantarem dentro de si esse
sol-semente tenderão a ter uma crença inabalável na vida,
acreditando que a vida pode de novo sempre brotar, apesar do deserto. Chamei
esse céu de CÉU DE EPICURO.
Enfim, os que
nasceram no outono veem um céu de um azul profundo porém transparente, onde o
sol brilha vivamente mas sem ofuscar, um sol como parte do infinito sempre
aberto para voos emancipatórios: “Eu tentei me horizontar às
andorinhas” (Manoel de Barros). Os que nasceram sob esse sol e céu , se
aprenderem com esse sol e céu a se horizontarem, crescerão
pensadores. Chamei esse céu de CÉU DE ESPINOSA.
Hoje começa o
outono. Como disse Drummond: “Outoniza-te com dignidade.” Que a gente
consiga criar uma abertura na mente e no coração para que
possam entrar a luz e o azul desse “Céu de Espinosa”, e que a
perseverança do pensar luminoso desse filósofo nos inspire e
fortaleça diante de toda forma de trev4.
E no dia 17 desta semana Elis Regina faria 80 anos. Ouvir Elis me lembra estes versos do poeta Schiller:
“Descanse
tranquilo onde cantam,
os maus não cantam.”
O primeiro a
cantar foi Orfeu, ele cantou inspirado pelas Musas. No seu sentido originário, “Musa”
significa: “Conhecimento que vem das artes”. As Musas eram nove , cada uma
representando uma arte, de tal modo que o conhecimento despertado pelas Musas
expressa sempre uma pluralidade, nunca um monólogo autoritário.
Os primeiros
filósofos também evocavam as Musas para filosofarem, atestando que poesia e
filosofia são cantos que brotam de uma fonte comum, ambas cantos que cantam com
uma voz libertadora , voz essa que nunca os maus
terão.
Mas o canto ao qual se refere Schiller não é apenas o canto literal
produzido por uma voz. Pois quando a árvore frutifica, cada fruto é um cantar
dela; e quando a rosa desabrocha, essa é sua forma de cantar. Frutificar e
desabrochar também são artes que a
própria natureza ensina.
Cada aurora é o
canto de um dia novo que nasce; e apesar da dor, o tempo pode ser um canto que
aplaca a saudade.
O ato revolucionário é uma forma de a
liberdade cantar ; e quando a justiça se cumpre, é a dignidade que está
cantando, pois a democracia é um canto que os justos cantam juntos , em polifonia.
Quando a vida se afirma como canto de emancipação , afetos como amizade, amor, empatia e generosidade se tornam os instrumentos que produzem a
música de nossa libertação.
“Sei falar a
língua dos pássaros: é só cantar.”
(Manoel de
Barros)
2 comentários:
Grande mestre!
Olá, Lizete. Prazer em revê-la.
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