Wittgenstein dizia
que a função principal da filosofia é a de terapêutica ou cura : cura da
própria filosofia. Somente a filosofia nos pode curar da filosofia,
diagnosticava Wittgenstein. Mas de qual doença a filosofia é, ao mesmo tempo, o
agente patológico e o médico? A doença da linguagem metafísica.
Segundo Wittgenstein, a metafísica é uma doença que acomete a linguagem
filosófica, que assim ignora os seus limites: delira.
Autores como Sêneca,
Epicuro e Epicteto também prescreveram a filosofia como sendo, antes
de tudo, uma terapêutica[1]. Porém eles
foram médicos mais clínicos e acurados que Wittgenstein. De certo modo, eles
são médicos que talvez pudessem curar Wittgenstein de Wittgenstein...
Pois Sêneca, Epicuro
e Epicteto nos falam de uma linguagem primeira , uma linguagem que antecede
essa a qual se refere Wittgenstein. Enquanto Wittgenstein se refere ao discurso
externo que toma por objetos realidades que somente a ciência poderia conhecer
adequadamente e sem “metafísicas”, os clínicos originários se situam
no âmbito do discurso interno, aquele no qual a alma deve aprender a conversar
consigo mesma. Não apenas falando a partir da razão , mas também falando e
ouvindo a partir sobretudo do corpo, da sensibilidade, do inconsciente... É
nesse registro imanente que um discurso pode ser saúde ou doença.
Wittgenstein
considera a linguagem da perspectiva de fora e em relação aos seus objetos, ao
passo que os clínicos originários pensam a linguagem como meio de expressão da
realidade dos pensamentos , dos desejos e quereres. Talvez nasça de um querer
adoecido , fruto de um pensamento que não sabe conversar consigo, a opinião que crê ser a filosofia uma doença...
Para aqueles clínicos
originários, a filosofia é o remédio , o conversar consigo é o tratamento e a
(auto)ignorância é a principal doença a ser vencida.
[1] De
uma perspectiva diferente, esse tema é tratado por Pierre Hadot no Prefácio que
escreveu ao livro La philosophie como thérapie de l’âme, de André-Jean Voelke .
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