No filme “Sonhos”, de Kurosawa, há
uma cena em que uma criança chora porque um jardim de pessegueiros foi
derrubado.
Então, perguntam a ela se o choro
dela era devido a não poder mais comer
os pêssegos, ou seja, se o choro era
motivado pelo interesse nos frutos, nos pêssegos.
A
criança responde mais ou menos assim: “Eu não estou chorando pelos
pêssegos , pois pêssegos podem ser
comprados em quantidades no mercado . Eu
choro porque nunca mais vou poder ver a floração dos pessegueiros: a floração é
única e não se mede em dinheiro, nem se
vende no mercado...”.
De repente, ainda chorando, a criança
vê algo colorido num canto daquele jardim desolado. Ela chega perto para ver o que é: do tronco de
um pessegueiro cortado e violentado, a
vida ali resistiu e perseverava , pois pequenos embriões de floração novamente
brotaram.
Então, como se tivesse ganho o mais
desejado dos presentes, a criança enxuga
as lágrimas e sorri.
O pêssego é colhido com as mãos, ao
passo que a floração é para ser colhida com os olhos, para que o próprio ver
nos olhos floresça, e enxergue mais do que o mero dado.
O pêssego é o produto acabado e
individuado, já a floração é a arte que torna indistintos o artista e sua obra
ainda em processo e brotando dele mesmo,
em generosa doação.
O pêssego mata a fome do estômago,
mas a floração mata outro tipo de
fome: fome de arte, de poesia e de
criação.
As ideias são como os pêssegos, porém
pensar é floração da mente unida ao corpo, como ensina Espinosa.
A liberdade não é um fruto pronto que
podemos colher, a liberdade é floração
concreta no aqui e agora, como ato libertário
fazendo-se.
Há os que cobiçam os pêssegos apenas para pôr neles um preço e
vendê-los no mercado, reduzindo os pêssegos a meros meios para se acumular capital, poder e dinheiro.
Mas há os que veem riqueza na
floração dos seres, uma riqueza que não se mede em dinheiro, pois é uma riqueza
que se cultiva com a arte, a filosofia, a cultura e a educação.
Porém , é preciso cuidar dessa
floração e agir para que ela sempre aconteça , pois odeiam essa floração, e sempre
a ameaçam, os ceifadores e destruidores de jardins.
"Poesia é florescer pelos olhos." (Manoel de Barros)
“Filosofia é prática para ensinar a
ver.”( Merleau-Ponty)
( imagem: “Pessegueiros em flor”/ Van
Gogh)
2 comentários:
Mais uma vez, parabéns! Adorei!
Forte abraço!
Abraços, José. Obrigado.
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