Espinosa foi excomungado, xingado e
ofendido pelos intolerantes enquanto ele viveu. Porém, como ensina o poeta Manoel de
Barros, além da existência que recebemos da natureza, podemos ainda conquistar
outro tipo de existência.
A existência que recebemos da natureza
nos faz ser constituídos de carne, nervos, órgãos, ideias, pensamentos ,
quereres, sonhos... Mas a outra existência que podemos conquistar é uma
existência “letral”, para assim pôr nossas ideias , pensamentos, quereres e
sonhos vivendo no corpo da letra e da palavra, para que letra e palavra sejam
mais do que letra e palavra: sejam também nossa vida metamorfoseada em poesia.
Espinosa conquistou uma vida assim:
uma vida letral que nos ajuda a potencializar a vida que recebemos da natureza.
Mas depois que Espinosa faleceu, os
inimigos do pensamento quiseram também destruir o ser letral de Espinosa. Os
obscurantistas queriam lançar os livros de Espinosa na fogueira da ignorância.
Contudo, alguns alunos-amigos de
Espinosa, fiéis às aulas que receberam do filósofo em conversas e trocas de
cartas, aulas essas que partejavam o
Espinosa-letral enquanto ele ainda estava vivo,
assim potencializando a vida daqueles que com ele aprendiam, esses
alunos-amigos guardaram o Espinosa-letral junto consigo, como parte viva deles.
Esses alunos-amigos de Espinosa não
eram filósofos importantes, não eram pessoas de poder ou ilustres acadêmicos.
Assim, o Espinosa-letral foi guardado como obra clandestina, subversiva, porém
guardada com amor e afeto, para que , no futuro, o Espinosa-letral pudesse continuar
a ser conhecido e despertar mentes, corações e
espíritos .
O Espinosa-letral ficou muito tempo
guardado e sendo conhecido por poucos, pois os intolerantes sempre estavam
vigilantes e querendo tacar fogo no Espinosa-letral, enquanto continuavam a ir no
túmulo de Espinosa para cuspir seus ódios sobre a lápide do filósofo...
Não foi nas aulas dos filósofos acadêmicos da época que o Espinosa-letral se manteve vivo.
Espinosa-letral se manteve vivo no coração e mente dos insubordinados de
espírito livre que o liam clandestinamente.
Somente quase 100 anos após o
Espinosa-pessoa ter morrido , que o Espinosa-letral foi descoberto para nunca
mais ser esquecido por um público mais vasto. E quem o descobriu não foram os
filósofos, quem o descobriu foram os poetas libertários, que viram em Espinosa
um companheiro deles.
Esses poetas não liam Espinosa para
teorizarem, eles liam Espinosa para poetarem um pensar originário, no qual
poesia e filosofia brotavam da mesma fonte inesgotável. Esses poetas
encontravam em Espinosa a mais libertária poesia que um filósofo já foi capaz
de criar, uma poesia para pensar o Infinito e vivê-lo aqui, já.
Se Espinosa hoje é estudado na academia filosófica, isso se deve,
primeiro, aos seus alunos-amigos que,
com coragem, foram fiéis ao Espinosa-pessoa e ao Espinosa-letral. O
Espinosa-pessoa foi guardado em seus
corações e mentes, enquanto o Espinosa-letral, além de ser guardado em seus
corações e mentes, também foi guardado em lugar seguro , além de circular
de mão em mão, como lanterna que mostra o caminho , apesar da treva.
À memória do aluno-amigo Alex James.
( este livro é apenas uma sugestão de
leitura)
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