sexta-feira, 13 de agosto de 2021

o pescador

 

Quando eu era ainda estudante, fui  acampar numa ilha. Certa noite , já bem tarde, decidi dar uma volta pela praia. Vi então  a seguinte cena: um pescador bem idoso, porém  firme,   empurrava  sua canoa  em direção  ao mar. Corri para ajudá-lo. Com a canoa ainda na areia, perguntei ao velho pescador aonde ele estava indo tão tarde. Ele respondeu me pedindo para olhar para o céu e descrever o que eu via. “Vejo muitas estrelas , a noite está linda...”, falei ao pescador.  “Não sente a falta de nada?”, indagou. “É mesmo, não vejo a lua...”, respondi. O  velho pescador  então   narrou mais ou menos a seguinte história:

“Quando a noite está assim , sem a luz da lua,  as estrelas parecem que  ficam bem perto, e isso ajuda na pescaria. Explico como acontece: como fazem todas as noites , os peixes sobem até próximo à superfície e ficam à espreita de insetos que pousem na água.  Mas em noites assim acontece algo diferente. Peixe não sabe o que são as estrelas... Então, quando os reflexos das estrelas vêm  tremeluzir na superfície da água  , parecendo que pousam nela, os peixes  olham para cima e imaginam que tais reflexos são o piscar de vaga-lumes. Tais  vaga-lumes só existem nos olhos deles, porém  eles ignoram essa ignorância que os limita à crença estreita. E essa forma  rasteira de ver , sem poesia e profundidade, é a pior das cegueiras que aos olhos   pode acontecer.  Ingenuamente crédulos, os peixes  sobem para abocanhar a ilusão criada pela própria  mente deles.  Se esses peixes fossem homens, essa cegueira da auto-ilusão    teria o seguinte nome: opinião. ”

 

(Na filosofia , “opinião” não é a mesma coisa que ter uma perspectiva sobre um assunto. Enquanto a perspectiva  faz parte da construção de um conhecimento, inclusive do autoconhecimento ,  a opinião é uma forma reativa de negar o conhecimento ,enraizada no desconhecimento da própria ignorância )

(Imagem: “Noite estrelada sobre o Ródano”, de Van Gogh. Sempre que revejo este quadro, e o revi ontem, lembro do velho pescador...Se olharmos bem, veremos que  Van Gogh não pinta exatamente estrelas, ele pinta sóis que irradiam dias. Pois é isto que cada estrela é de verdade: um sol . Em Van Gogh, o “Carpe Diem”, o “aproveite o dia”, é multiplicado por mil. A noite que Van Gogh pinta é feita de  infinitos dias a brilhar , dias que nunca morrem : dias que nos auxiliam a  levantar   a cabeça e os olhos no meio da noite)









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